A safra de soja 2023/24 enfrentou desafios consideráveis devido à intensa ocorrência do fenômeno climático conhecido como El Niño, que desencadeou uma série de eventos climáticos extremos, agravando os problemas e causando perdas expressivas na produtividade da principal commodity agrícola produzida pelo país.

No Brasil, esse fenômeno levou a notáveis mudanças no padrão de temperaturas e na ocorrência das chuvas. Essas condições influenciaram diretamente a dinâmica e a severidade das doenças que afetam o cultivo de soja, favorecendo, especialmente, a principal doença da cultura, a ferrugem-asiática da soja, ao criar condições propícias para o seu surgimento precoce e disseminação histórica nas principais regiões produtoras do país.

Tendo em vista esse cenário, o cumprimento do vazio sanitário para manejo dessa doença é uma prática consolidada, sendo sua execução vital para reduzir o estabelecimento do inóculo desse fungo no ambiente produtivo e, assim, possibilitar o controle dessa doença.

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Por que a ferrugem-asiática representa risco à produção de soja?

A ferrugem-asiática, principal doença da soja no Brasil, é provocada pelo fungo biotrófico Phakopsora pachyrhizi, dependendo de hospedeiros vivos para sobreviver. Conhecida por sua agressividade, a ferrugem pode reduzir a produtividade das lavouras em até 90%, conforme informações da EMBRAPA.

Os primeiros sintomas geralmente aparecem depois que as plantas completam o fechamento das entrelinhas, entrando no estágio reprodutivo, momento em que as lavouras formam um microclima favorável para o desenvolvimento do fungo.

Causando desfolha precoce, a ferrugem diminui a capacidade fotossintética das plantas, comprometendo o desenvolvimento completo dos grãos, o que resulta em uma diminuição significativa da produtividade.

Os sintomas visíveis incluem pequenas pontuações, inicialmente verde-acinzentadas, na face superior das folhas, que evoluem para tons de marrom-escuro e avermelhado. Na face inferior das folhas, formam-se pequenas pústulas em formato de urédias, de tonalidade castanho-claro, conforme pode ser visto na imagem abaixo:

Dentre as medidas de controle que têm como objetivo salvaguardar as áreas de cultivo de soja de ferrugem-asiática, o vazio sanitário visa manter as áreas produtivas livres de plantas hospedeiras pelo período de tempo necessário para diminuir a sobrevivência do inóculo do fungo no ambiente produtivo, possibilitando, assim, o manejo dessa doença.

Qual a importância do vazio sanitário como medida de controle da ferrugem da soja?

O primeiro relato de ocorrência de ferrugem-asiática da soja no Brasil ocorreu em 2001. Três anos depois, em 2004, já se observava uma ampla disseminação do patógeno nas principais regiões produtoras de soja do país.

As safras seguintes, 2005/06 e 2008/09, notadamente destacaram-se pelos números recordes de registro de ocorrência de casos da doença, 1358 e 2884 casos, respectivamente. Esse cenário revelou a urgência de implementar o vazio sanitário como medida de controle dentro do manejo integrado de doenças para a cultura no país.

Em 2006, por força de lei, o vazio sanitário foi inicialmente implementado nos Estados de Mato Grosso, Goiás e Tocantins, visando contemplar um período mínimo de 90 dias de ausência de plantas cultivadas ou voluntárias nas lavouras. Esse período se baseia no fato de que foi observado que o tempo máximo de sobrevivência das estruturas reprodutivas do fungo causador da ferrugem é de 55 dias.

Em 2007, o MAPA (Ministério da Agricultura e Pecuária) criou, por meio da IN nº 2, o Programa Nacional de Controle da Ferrugem Asiática da Soja (PNCFS). Esse programa incluiu, entre outras diretrizes, a obrigatoriedade de cada Estado em formar seus comitês para controle da doença.

A partir daí, observou-se uma notável diminuição da presença do fungo em todo o território nacional, com uma redução expressiva na safra de 2011/12. Atualmente, 20 Unidades Federativas têm o seu período de vazio sanitário regulamentado. São elas: AC, AL, AM, AP, BA, CE, GO, MA, MG, MT, MS, PA, PR, PI, RS, RO, RR, SC, SP, TO e DF.

Em maio de 2021, o MAPA emitiu a Portaria nº 306/2021, que atualizou o PNCFS. O objetivo foi implementar ações mais estratégicas de defesa sanitária vegetal, dentre as medidas incluídas, destacou-se o estabelecimento do vazio sanitário e do calendário de semeadura.

Tais fatos demonstram que cumprir o vazio sanitário estabelecido para cada região, aliado a outras práticas de manejo, como a adoção do calendário de semeadura, tornou-se fundamental para efetivamente manejar a ferrugem-asiática e possibilitar a continuidade do cultivo de soja no Brasil.

Como o calendário de semeadura é um aliado do vazio sanitário?

O calendário de semeadura é o período específico estabelecido para o início e fim da semeadura de soja em cada unidade federativa e região. Esse cronograma é alinhado ao Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC) e funciona em conjunto com o vazio sanitário. 

Esse instrumento tem por objetivo concentrar o período de execução dessa operação agrícola em determinados períodos de tempo, evitando, assim, que o fungo P. pachyrhizi faça um movimento de migração entre áreas, das mais velhas para as mais novas.

Além desse benefício, essa prática também contribuiu para a racionalização do número de aplicações de fungicidas durante a safra, reduzindo assim a pressão de seleção de resistência do fungo aos fungicidas.

É fato conhecido a consolidação da existência de populações menos sensíveis aos principais modos de ação de fungicidas disponíveis no mercado e, a cada safra, a frequência dessa resistência progride.

Estabelecer um controle da ferrugem-asiática que mitigue o desenvolvimento de populações de P. pachyrhizi menos sensíveis a fungicidas, ao mesmo tempo que se empregue novas abordagens e aprimore as diretrizes do vazio sanitário e do calendário de semeadura, são medidas essenciais para combater a progressão da ferrugem-asiática em todas as regiões produtivas do país.

O caso da safra 2023/24

Para a safra 2023/24, a Portaria nº 840/2023 do MAPA definiu o calendário de plantio para os 20 Estados e o Distrito Federal. As modificações mais recentes padronizaram os períodos de plantio em 100 dias para todas as Unidades da Federação, resultando numa redução do intervalo de plantio em diversas regiões, conforme pode ser melhor observado no artigo sobre vazio sanitário que publicamos no portal Mais Agro nessa mesma época ano passado.

O atraso nas primeiras chuvas no Centro-Oeste, Sudeste e na região do MATOPIBA foi seguido por chuvas irregulares e mal distribuídas, além de períodos de calor intenso, com veranicos que duraram mais de 20 dias, fortemente influenciados pela ocorrência do fenômeno El Niño.

Diante dessas circunstâncias, a ferrugem-asiática se manifestou mais cedo nas principais áreas de cultivo do Brasil e, além disso, houve um aumento na severidade da doença em comparação com a safra 2022/23. 

Esse aumento foi devido à ocorrência de chuvas abundantes, especialmente na região Sul do país. Nessa região, a combinação de alta umidade e temperaturas elevadas facilitou a disseminação da doença e agravou sua ocorrência.

A principal fonte de monitoramento da ferrugem-asiática no Brasil é o Consórcio Antiferrugem. Estabelecido pela EMBRAPA em 2004, o Consórcio fornece dados atualizados e em tempo real sobre a propagação da doença, como evidenciado na imagem a seguir, de maio de 2024.

A safra 2023/24 contou com a ocorrência de 324 casos relatados de ferrugem-asiática no país. Os Estados com maior número de casos confirmados foram Paraná (128), Rio Grande do Sul (110) e Mato Grosso do Sul (35), conforme indicado no Mapa de Dispersão abaixo:

Ocorrência de ferrugem-asiática na safra de soja 2023/24. Fonte: Consórcio Antiferrugem, 2024.

Desde antes do início da safra, alguns Estados, por meio de suas organizações de produtores, solicitaram, junto ao Poder Judiciário, flexibilizações no cumprimento dos períodos estabelecidos para o calendário de semeadura, alegando a “condição de excepcionalidade”, prevista na Portaria nº 865 do MAPA.

Em agosto de 2023, o MAPA permitiu o plantio excepcional de soja para produção comercial no Estado do Mato Grosso a partir de 1º de setembro, atendendo a um pedido da Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão (AMPA). 

A decisão, conforme destacado naquele momento pelo ministério, buscava reduzir o risco climático da subsequente safra de algodão. Entre 1º e 15 de setembro, cerca de 55 mil hectares de soja foram plantados sob a autorização excepcional, conforme números divulgados pelo Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (IMEA).

Como ficam as datas do vazio sanitário para 2024?

Após a confirmação do ineditismo climático que ocorreu, houve um imbróglio na retomada do período de vazio sanitário, uma vez que muitos Estados solicitaram ao MAPA alterações nessas datas.

Em abril de 2024, o MAPA acatou uma orientação do Ministério Público Federal (MPF), não aprovando novas alterações para o período do vazio sanitário do Mato Grosso.

Segundo o MPF, uma recomendação foi emitida para a Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA) do MAPA, com o objetivo de ajustar a Portaria nº 865 (SDA/MAPA) e estabelecer um novo processo para avaliar pedidos de alteração do vazio sanitário e do período de semeadura da soja.

A SDA se comprometeu a autorizar alterações nas datas (de início e término) do calendário de semeadura da soja no Estado somente com o devido embasamento técnico, com base em provas que demonstrem as condições de excepcionalidade e a ausência de prejuízos ambientais da medida solicitada.

Contudo, em maio de 2024, o MAPA publicou as datas de vazio sanitário e calendário de semeadura da soja para a safra 2024/2025, por meio da Portaria SDA/MAPA nº 1.111 de 13 de maio de 2024, que podem ser conferidas no infográfico abaixo:

Período de vazio sanitário para a cultura da soja na safra 2024/2025. Fonte: Portaria SDA/MAPA nº 1.111 de 13 de maio de 2024.

Para o estabelecimento dos períodos, o MAPA considerou, além de dados técnicos, as reuniões realizadas com os órgãos estaduais de defesa vegetal de forma individual e regional, analisando, de forma conjunta, todas as propostas enviadas pelas unidades da federação.

Diante de tantos desafios, o que o sojicultor brasileiro pode fazer?

Recomendações de manejo integrado de doenças para o cultivo de soja no Brasil

Para minimizar os prejuízos provocados pela ferrugem-asiática da soja e reduzir sua propagação, é essencial respeitar o vazio sanitário, cumprir o calendário estabelecido e adotar práticas de manejo preventivo.

Recomenda-se a utilização de diferentes modos de ação de fungicidas sítio-específicos, sempre em associação com multissítios, numa estratégia de manejo antiresistência, antes do fechamento das entrelinhas da cultura.

Essa abordagem é eficaz não apenas contra a ferrugem-asiática, mas também contra outras doenças de ocorrência comum na cultura da soja. Quando as plantas estão maiores, a eficácia dessa abordagem diminui, pois as folhas do baixeiro ficam menos acessíveis  e cria-se um ambiente de microclima ideal para que as doenças se instalem e perpetuem seu ciclo reprodutivo.

Além disso, a adoção dessas medidas de manejo preventivo, de implementação do vazio sanitário e de cumprimento do calendário de semeadura, são práticas que contribuem para o progresso no controle da ferrugem-asiática da soja em âmbito nacional, reduzindo gradativamente a incidência e a ocorrência da doença a cada safra e preservando a competitividade do Brasil na produção dessa cultura tão estratégica para sua economia.

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