Em tempos de desafios climáticos, a agrometeorologia torna-se mais do que essencial. Essa ciência estuda a relação entre clima e agricultura, desenvolvendo previsões e recomendando boas práticas com base nas condições ambientais das lavouras por região. Assim, com o início do verão em 22 de dezembro de 2023, o Mais Agro atualiza as perspectivas de clima para 2024 entrevistando o agrometeorologista Marco Antonio dos Santos, nosso correspondente da Rural Clima.

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O especialista compartilha sua visão sobre como as mudanças climáticas e os fenômenos meteorológicos impactam o setor agrícola, com análises e previsões fundamentais para produtores e investidores do agronegócio, ajudando-os a se adaptarem às condições climáticas em constante mudança.

Ele conta que a produção agrícola fez parte de sua infância e que sempre foi fascinado pela área em que atua:

“A vontade de fazer agronomia já vem desde quando eu era criança, pois eu ficava horas e horas conversando com meu avô paterno sobre as coisas do campo. Ele me ensinava/falava como ele plantava o milho, a soja, como ele plantava e cuidava do café e também me ensinava a “ler” na natureza como seria o clima para os próximos dias e meses. E isso foi entrando na minha vida naturalmente e eu fui, sem saber, me apaixonando pela agricultura e, assim, desde a 8ª série já tinha na cabeça que iria fazer agronomia. 

Já a agrometeorologia surgiu durante a faculdade. Numa das minhas férias da faculdade estagiei no centro de climatologia agrícola do IAC (instituto agronômico) e me apaixonei pela área. Após 4 anos de formado, em 1998, comecei a trabalhar na área e nunca mais parei.”

Nesse ar de inspiração, ele nos oferece insights sobre os desafios e as oportunidades que as mudanças climáticas podem gerar para a agricultura com o início do verão e nos primeiros meses de 2024, explorando como adaptações estratégicas podem mitigar riscos e maximizar a produtividade.

Ao longo da conversa, esperamos iluminar aspectos fundamentais da relação entre clima e agricultura, oferecendo perspectivas valiosas para aqueles que fazem parte do agronegócio e para todos os interessados na relação de interdependência entre o meio ambiente e a produção de alimentos.

Entrevista Mais Agro e Rural Clima: o início do verão e as condições das lavouras

Mais Agro: A agricultura brasileira vive um momento de muita tensão em relação ao clima. Um assunto em alta são as mudanças climáticas. O cenário é realmente preocupante? Tecnicamente falando, teremos complicações sérias a longo prazo?

Marco Antonio: Que realmente estamos vivendo um período de mudanças climáticas, isso é fato e realmente é preocupante, pois eventos extremos poderão ser mais recorrentes nos próximos anos, como períodos mais prolongados de estiagem, chuvas em excesso, calor e geadas mais amplas. No entanto, esses cenários irão depender muito de qual fenômeno climático (El Niño/La Niña) estará influenciando o clima pois, esses fenômenos poderão ser potencializados por essas mudanças climáticas.

Mais Agro: Conte para a gente a sua visão sobre como o clima moldou a dinâmica da agricultura neste início de safra 2023/24, com produtores que sofreram com replantio da soja e outros desistindo de replantar e investindo em milho e algodão já neste verão.

Marco Antonio: A influência de um El Niño de forte intensidade este ano causou, primeiramente, a terrível seca na Bacia Amazônica, algo que há mais de 40 anos não ocorria na região, e isso afetou drasticamente o aporte de umidade na atmosfera, influenciando os corredores de umidade sobre a região central e norte do Brasil. 

Além disso, o fato de o clima estar sobre a influência do El Niño canalizou os corredores de umidade para a região Sul, acarretando chuvas excessivas. E as poucas frentes frias que conseguiam avançar sobre a região central do Brasil, não encontravam umidade suficiente vinda da Amazônia, para provocar chuvas mais abrangentes e em bons volumes. 

Todos os anos em que o clima está sob a influência desse fenômeno, as temperaturas ficam acima da média, no entanto, este ano foi bem anormal, com picos recordes de temperaturas. Algo que poderíamos associar já às mudanças climáticas. 

A associação de chuvas extremamente irregulares e temperaturas altas provocou o atraso do plantio da soja e um percentual elevado de replantio. Como muitos produtores avançaram para um período totalmente fora do calendário ideal de plantio da soja, alguns estão optando por não mais replantar a soja e plantar o milho ou o algodão.  

Mais Agro: A NOAA indica mais de 60% de possibilidade de o fenômeno El Niño se estender até junho de 2024. Qual a posição da Rural Clima em relação a isso?

Marco Antonio: Acreditamos que o El Niño deva sim se estender até o outono de 2024, porém com uma intensidade bem mais fraca do que agora na primavera. Estamos vendo que o El Niño já deva perder forças ao longo do verão e ao longo do outono já entrar numa neutralidade.  

Mais Agro: Explique um pouco para nós como está a anomalia, como a temperatura do oceano está se comportando e quais as diferenças percebidas no padrão nos últimos seis meses.

Marco Antonio: As temperaturas das águas do Oceano Pacifico vêm elevando-se ao longo desses últimos 6 meses e isso tem intensificado o El Niño. O pico do El Niño deverá ocorrer agora no mês de dezembro e, no máximo, na primeira quinzena de janeiro. 

Mais Agro: Quais os países mais afetados pelo El Niño? Eles já sentem impactos negativos na agricultura a ponto de interferir na balança do mercado global?

Marco Antonio: Todos os países sentem, de modo diferente, os efeitos positivos e negativos do El Niño. Toda a região central e norte da América do Sul, bem como a América Central, são afetados por baixos índices pluviométricos, já a metade sul da América do Sul é afetada pelo excesso de dias chuvosos. Na Ásia e na Oceania, o El Niño causa longos períodos de estiagem. Já na América do Norte, o inverno não é tão rigoroso e as chuvas são mais frequentes. Assim, com quebras mais significativas em vários países, a tendência é, sim, de uma interferência na balança comercial de alguns países. 

Mais Agro: E no Brasil? Como o fenômeno está configurando o clima nas diferentes regiões e quais as culturas mais prejudicadas?

Marco Antonio: Todas as culturas, de um modo geral, estão sendo impactadas, pois lavouras de arroz, milho e soja no Sul estão sendo impactadas pelo excesso de dias chuvosos. Já no Sudeste, no Centro-Oeste, no Norte e no Nordeste, chuvas irregulares e altíssimas temperaturas têm afetado drasticamente a produção agrícola. 

Mais Agro: O verão inicia em 22 de dezembro e termina em 20 de março. Já temos previsões atualizadas para a estação, especialmente em relação à seca no Centro e às chuvas no Sul?

Marco Antonio: Há uma tendência de que o verão venha a ser marcado por uma mudança nesse padrão climático que estávamos vendo na primavera. Isto é, há uma tendência de que as chuvas voltem a ficar frequentes e regulares em toda a região Centro-Norte do Brasil e fiquem mais espaçadas no Sul. 

Não há indicativos de longos períodos de veranico no Sul, como vimos nos últimos anos, mas as chuvas poderão ficar mais espaçadas entre uma e outra, o que irá colaborar para o bom desenvolvimento das lavouras, além de ajudar nos tratos culturais. E com o retorno das chuvas mais frequentes no centro-norte, as perdas de produtividade poderão ser paralisadas/estancadas, assim como poderão ocorrer melhores condições ao desenvolvimento de todas as lavouras.  

Mais Agro: Como essas condições podem afetar as culturas de verão nas diferentes regiões?

Marco Antonio: Já estão sendo drasticamente afetadas, porém, com o retorno das chuvas mais frequentes, há uma tendência de melhora nas condições ao desenvolvimento das lavouras de verão. 

No entanto, para as culturas de segunda safra, como milho e algodão, a previsão ainda não é muito boa, já que os modelos de previsão de longo prazo sinalizam que as chuvas não deverão se estender, como foi no primeiro semestre de 2023. Portanto, os modelos sinalizam que as chuvas deverão ir, no máximo, até meados de abril e depois só retornam na primavera na região Centro-Norte do Brasil. 

Mais Agro: Qual a sua visão sobre as tendências futuras em relação ao clima e à agricultura? Ainda há chances de alcançarmos alguma sustentabilidade?

Marco Antonio: Eu acredito muito na sustentabilidade da nossa agricultura devido às novas tecnologias que estão sendo desenvolvidas e as que ainda estão por vir. Mesmo com climas adversos no futuro, a agricultura ainda achará um meio de produzir muito. 

Mais Agro: Você acredita haver práticas agrícolas sustentáveis necessárias em resposta às mudanças climáticas? Quais?

Marco Antonio: Sim. Perfil de solo, uso consciente da água na irrigação, uso de biotecnologia para combate a pragas e doenças e uso de variedades mais resistentes à seca. 

Mais Agro: Como o produtor rural pode se proteger dos desafios climáticos, pensando em produtividade, qualidade, rentabilidade e custo de produção?

Uso adequado e consciente da informação. Não só o produtor rural, mas toda a cadeia do agronegócio tem, hoje, inúmeros meios de se informar sobre tudo. Porém, existe muita desinformação circulando nas mídias sociais e em sites sensacionalistas. Assim, com o uso adequado e consciente da informação, os produtores terão mais chances de decidir o que melhor irá se adaptar e o que de fato terá que fazer para mitigar os efeitos nocivos do clima, 

Mais Agro: Dê-nos uma palavra de conforto, Marco Antônio. O que tem de bom por vir pensando em clima e agricultura no Brasil?

Apesar de 2023 estar sendo um dos anos mais desafiadores da história da agricultura em relação ao clima, os últimos 36 meses foram de muita aprendizagem sobre ele e seus reais impactos na agricultura. Portanto, 2024 ainda está se mostrando desafiador, mas muito já se sabe como esses fenômenos climáticos estão impactando o clima e, consequentemente, a agricultura. 

Assim, com maior conhecimento e uma vasta tecnologia a nosso favor, mesmo que venham a ocorrer novas intempéries climáticas, a Rural Clima estará mais precisa e o produtor também, pois, é fato que novas tecnologias e maneiras de lidar com essas intempéries climáticas estão surgindo e, assim, o Brasil continuará sendo o maior produtor mundial de alimento e dificilmente outro país tomará esse posto.

A Syngenta está ao lado do produtor rural em todos os momentos, oferecendo as soluções necessárias para construirmos, juntos, um agro cada vez mais inovador, rentável e sustentável.

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