Mal nos recuperamos dos impactos causados pelo La Niña e já devemos nos preparar para mais um fenômeno climático que costuma afetar diretamente a agricultura brasileira: o El Niño.
Os padrões climáticos realizados pelo NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration) – órgão público de análise climática dos Estados Unidos – entre abril e maio mostram que é provável a ocorrência do fenômeno ainda em 2023, embora haja incertezas sobre sua intensidade.
A última vez que o El Niño atingiu o Pacífico de maneira intensa foi em 2016, quando a temperatura média global alcançou patamares muito elevados, sendo o ano mais quente já registrado na série histórica. O fenômeno causou diversas consequências em diferentes regiões do planeta, principalmente para os países da América Latina e para a costa leste da Austrália.
Por que isso acontece, quais os impactos no clima, no cotidiano das pessoas e nos planejamentos da produção agrícola é o que vamos explorar nas próximas linhas. Boa leitura!
O que é o fenômeno El Niño?
Tanto o El Niño quanto o La Niña são consequências de um fenômeno climático natural conhecido como ENSO (El Niño Oscilação Sul), que altera as condições do oceano e da atmosfera que envolvem o Pacífico, a corrente de Humboldt e os ventos alísios do Hemisfério Sul.
Em uma explicação breve, os ventos alísios fazem um movimento ascendente e descendente na faixa entre os 30º Sul e a linha do Equador (chamado circulação Walker). Nessa região do Oceano Pacífico, a superfície da água é naturalmente mais quente, pela incidência solar. Abaixo, passa a corrente Humboldt, que é mais fria e densa, por vir diretamente da região do polo Sul.
Com esse sistema funcionando dentro da normalidade, os ventos alísios empurram a camada de água quente mais leve e superficial em direção à Austrália – a ressurgência –, de forma que a água mais fria permanece na região do Peru, Chile e Equador. Nesse contexto, por ter bastante vapor de água, a costa australiana é quente e chuvosa, enquanto a costa americana é mais fria e rica em matéria orgânica, favorecendo a vida marinha e a pesca na região.
Há períodos, no entanto, em que os ventos alísios, sem qualquer previsibilidade ou padrão, perdem sua força e sua capacidade de empurrar a camada superficial do Oceano Pacífico. Com isso, não há ressurgência e as águas quentes se acumulam na região sul-americana, podendo levar ao famoso fenômeno El Niño, que se concretiza caso seja verificada uma temperatura oceânica 0,5 °C superior à média padrão.
Como consequência imediata, o leste australiano vive um período de seca, pela queda do calor e do vapor, diminuindo as chuvas. A disponibilidade de peixes na costa peruana também decresce, impactando a economia local. Além disso, o clima do Brasil sofre modificações bastante acentuadas pela interferência do El Niño. São elas:
- Norte e Nordeste com menor quantidade de chuvas;
- Sul e Sudeste com chuvas mais frequentes e temperaturas elevadas.
Essas condições também são consequência do enfraquecimento dos ventos alísios, responsáveis por manter a MEC (Massa Equatorial Continental) na região amazônica, impedindo que influencie o clima no centro-sul. Sem essa relação, a MEC se espalha e incide também sobre as demais regiões, afetando o clima.
Para ilustrar essa relação, a NOAA disponibiliza um mapa dos impactos climáticos do fenômeno El Niño no globo, em duas diferentes épocas do ano, entre dezembro e fevereiro e entre junho e agosto.
Impactos do El Niño no clima global. Fonte: NOAA.
O esquema climático acima mostra o que foi observado em 2016, quando foi registrado o último El Niño de forte intensidade, capaz de alterar os padrões do clima em diversas regiões do planeta, com alta influência sobre as atividades econômicas, em especial a agricultura.
No mapa, é possível observar que o Sul e o Sudeste do Brasil tiveram uma predominância de calor e umidade, enquanto Norte e Nordeste tenderam à seca, além da temperatura alta.
Histórico climático e projeções para o fenômeno El Niño em 2023
Após três safras sob o impacto do La Niña – fenômeno oposto ao El Niño, em que o aumento dos ventos alísios leva ao resfriamento gradual das águas na região equatorial do Pacífico, causando maior incidência de chuvas no Norte/Nordeste brasileiros e escassez de umidade para o Sul –, os produtores rurais estão atentos ao clima e às suas anomalias.
No mapa a seguir, retirado da base de dados do NOAA, é possível notar como esteve a temperatura nas diferentes regiões do planeta em 2020.
Diferença da temperatura global em relação à média anual. Fonte: NOAA.
As cores mostram onde a temperatura anual estava acima ou abaixo da média, comparando 1991 com 2020. As áreas em azul são aquelas com variação de temperatura abaixo da média. Os azuis de tom mais escuro representam maior diferença, o que se observa na região do Pacífico.
Já as áreas em vermelho mostram condições mais quentes que a temperatura média para o período. Como se pode observar na linha do hemisfério Norte, com uma diferença bastante intensa – o que também tem influência do aquecimento global, tema que será discutido mais adiante –, e na costa Leste da Austrália.
Por conta desse padrão, houve quebras de safra relevantes na América do Sul. Para a safra 2022/23 de grãos, por exemplo, os Estados do Sul do Brasil até conseguiram bons resultados de produção, mas a Argentina ainda sofreu grandes perdas por conta da influência do fenômeno. O La Niña veio enfraquecendo desde o final de 2022 e se encerrou oficialmente em março de 2023.
Com isso, entrou-se em um período de neutralidade do ENSO, ou seja, a temperatura do oceano voltou a corresponder à média histórica. No entanto, o processo de aquecimento vem ocorrendo em uma velocidade que impressiona especialistas, o que levou à confirmação oficial de ocorrência do El Niño.
Os últimos modelos de previsão feitos por computadores mostram que o Oceano Pacífico ultrapassou o limite do El Niño em junho, com vias de se manter no patamar do fenômeno em um período além do que a previsão engloba.
Previsão do avanço das anomalias climáticas em 2023, com base no modelo da temperatura oceânica. Fonte: NMME (North-American Multi-Model Ensemble), em noaa.gov/climate, maio de 2023.
Em abril, a temperatura do Pacífico alcançou forte elevação, atingindo patamares recordes, superior, inclusive, ao verificado em 2016, quando houve o último El Niño de alta intensidade. Portanto, os efeitos do fenômeno já estão sendo sentidos. Segundo a Rural Clima, sua intensidade será de fraca a moderada ao longo do último semestre do ano.
Impactos do El Niño sobre a agricultura
A zona de neutralidade do ENSO já foi um fator muito positivo para a agricultura brasileira, sendo um dos motivos que possibilitaram recuperar, por exemplo, as perdas na soja verificadas em 2021/22. A safra de soja 2022/23 foi histórica: mesmo com parte do ciclo ainda sob influência do La Niña, a produção superou a meta das 150 milhões de toneladas. Agora, com o El Niño em vista, é preciso compreender até que ponto se pode comemorar.
O fenômeno é sinônimo de boas perspectivas para a agricultura no Brasil, devido aos padrões de chuva e temperatura nas regiões produtoras, o que costuma favorecer o desenvolvimento das culturas. Por outro lado, é importante ponderar muito sobre esses benefícios, pois eles dependem da intensidade do El Niño.
A condição climática pode causar irregularidade nas chuvas em algumas regiões, de maneira a prejudicar as lavouras. A restrição hídrica no Norte e no Nordeste pode chegar a inviabilizar a produção de algodão, milho, soja e outras culturas importantes nesses Estados. Já a abundância de chuvas no Sul e no Sudeste pode levar a inundações e encharcamentos, prejudicando, principalmente, os cultivos de cana-de-açúcar e café, além da entrada de maquinários no campo.
Enchente histórica em Minas Gerais durante o período de influência do El Niño, em 2016. Fonte: G1.
Portanto, é importante acompanhar as previsões do clima por região e por período, para poder elaborar calendários operacionais que planejam o plantio, as aplicações, o manejo e a colheita de acordo com as alterações esperadas diante do fenômeno El Niño.
Impactos do fenômeno El Niño nas lavouras de café
A produção de café vem sofrendo interferências climáticas há pelo menos três safras, por conta das anomalias no clima que levaram a secas e geadas nas regiões produtoras. Tudo isso pressiona o preço do café para cima e pesa no bolso do consumidor final, não favorecendo as vendas para o produtor rural.
Com o El Niño, é possível que haja uma queda na produção de café, se forem consideradas as médias de volume colhido nos últimos anos em que o fenômeno ocorreu. Isso porque o inverno mais quente pode impactar o desenvolvimento vegetativo das plantas, assim como a florada corre risco de ser afetada, a depender da intensidade dessa elevação de temperatura, influenciando toda a fase reprodutiva da cultura, em especial a formação de grãos.
Por isso, há possibilidades de que o fenômeno interfira nas expectativas e nos resultados da safra de café 2024/25, a depender de como ele atingir o Brasil desta vez, o que poderá ser verificado apenas no decorrer do segundo semestre de 2023, visto que o inverno de 2023 não está sendo afetado por um El Niño de alta intensidade.
Impactos do fenômeno El Niño nas lavouras de cana-de-açúcar
A quantidade de chuvas impacta diretamente a qualidade da cana-de-açúcar. Muita umidade derruba os níveis de concentração de açúcar, diminuindo a capacidade de extração do caldo para a produção industrial de etanol e açúcar.
Como o El Niño costuma promover chuvas na região Sul do Brasil e reduzi-las na região Central, de onde sai a maior parte da cana, o setor sucroenergético pode sofrer impactos muito significativos.
Além disso, os processos de colheita e moagem podem ser prejudicados, a depender da frequência das chuvas no período em que os canaviais já estiverem em ponto de colheita. Caso isso ocorra, toda a atividade industrial fica prejudicada, desde as usinas até as negociações de biocombustível, o que pode afetar a oferta, os preços e a competitividade no mercado.
No entanto, para comprometer a próxima safra de cana-de-açúcar brasileira, o fenômeno precisa ser muito intenso nos meses finais de 2023 e no início de 2024.
Impactos do fenômeno El Niño nas lavouras de milho e soja
O padrão climático anormal definido pelo El Niño é favorável para a produção de milho e de soja, principalmente no que diz respeito ao milho segunda safra, produzido no inverno, devido ao aumento da umidade e da maior regularização das chuvas, especialmente nas regiões produtoras do Sul do país.
Por outro lado, os produtores precisarão ter mais atenção à pressão de pragas, doenças e plantas daninhas nas lavouras, uma vez que o comportamento dessas ameaças também muda com o clima, tendo seu desenvolvimento favorecido pelo aumento da pluviosidade.
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El Niño e mudanças climáticas: qual a relação?
O El Niño é um fenômeno natural, de maneira que não estabelece nenhuma relação direta com as mudanças climáticas. Porém, as alterações que vêm sendo verificadas no padrão do clima mundial, devido ao aquecimento global e ao acúmulo de GEE (gases de efeito estufa) na atmosfera, tornam os fenômenos ainda mais extremos, intensificando seus impactos.
O fenômeno El Niño é conhecido desde 1600, quando um pescador peruano observou que as águas do Pacífico estavam mais quentes que o normal, mas nunca antes ele se instalou em um momento tão incerto para o clima global.
Em um cenário de aumento da temperatura, com a possibilidade de +0,2 ºC durante a ocorrência do El Niño por conta da liberação de calor na atmosfera, o aquecimento é ainda mais favorecido. Aliás, mesmo com o La Niña instalado em 2022, o que levaria a um cenário de resfriamento atmosférico, o ano foi o quinto mais quente já registrado, o que é, sem dúvidas, uma consequência das mudanças climáticas.
Então, fatos como a temperatura recorde dos oceanos em abril de 2023 – a nível global –, que foi também o mês correspondente ao mais quente dos registros históricos do hemisfério Sul e o quarto mais quente da Terra, segundo levantamentos da NOAA, fazem com que o El Niño se confirme em um momento de condições climáticas extremas.
Uma realidade nunca antes vivida, tornando difícil prever como isso impactará a vida de todos, a economia, a produção agrícola e, inclusive, os reservatórios e a produção de energia hidrelétrica.
Até o momento, resta aceitar que essa tendência climática já está afetando a temperatura atmosférica e a circulação de Walker e que seus impactos podem se tornar ainda mais relevantes do que o esperado, por conta das mudanças climáticas.
Aos produtores rurais, cabe dobrar os cuidados com a calendarização e com as boas práticas de manejo, a fim de oferecer as melhores condições possíveis para as culturas, independentemente do que o clima nos reserva.
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