A cana-de-açúcar é uma das principais culturas agrícolas do Brasil, sendo fundamental para a economia nacional e para o setor energético. O país é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar, com destaque na produção de açúcar e etanol. 

Além de ser uma cultura historicamente enraizada no território brasileiro, a cana possui uma importância estratégica, uma vez que o etanol é um combustível renovável que desempenha papel central na matriz energética nacional.

No entanto, a produção de cana enfrenta diversos desafios, sendo as pragas um dos principais fatores de redução de produtividade e qualidade da cultura. Esses insetos podem causar danos significativos ao longo de todo o ciclo de crescimento da planta, desde as raízes até os colmos e as folhas. 

O impacto das infestações não se limita apenas à perda de rendimento, mas também afeta a longevidade dos canaviais e a rentabilidade da lavoura. Para mitigar esses efeitos, a adoção de estratégias como o Manejo Integrado de Pragas (MIP) torna-se essencial, combinando práticas de monitoramento e controle de forma sustentável.

Nesse artigo, falaremos principalmente sobre as principais pragas que atacam a cultura da cana-de-açúcar, suas principais características e quais as práticas de controle disponíveis dentro do MIP.

A importância da cana-de-açúcar no Brasil

O Brasil cultiva cerca de 9 milhões de hectares de cana-de-açúcar, o que o coloca como líder global na produção dessa cultura. A cana é utilizada para a produção de açúcar e de biocombustíveis, principalmente o etanol, que tem um papel estratégico na redução de emissões de gases de efeito estufa, já que o etanol brasileiro é reconhecido como um dos mais eficientes em termos de balanço de carbono.

No entanto, o sucesso da produção de cana depende de uma gestão eficiente de ameaças, como as pragas, que podem comprometer gravemente a produtividade

Devido à extensão territorial e às condições climáticas favoráveis ao desenvolvimento de insetos, o Brasil é altamente vulnerável ao ataque de pragas. Controlar esses insetos é essencial não só para garantir a viabilidade econômica da cultura, mas também para proteger a qualidade dos produtos derivados da cana.

Principais pragas da cana-de-açúcar

Broca-da-cana-de-açúcar

A broca-da-cana-de-açúcar (Diatraea saccharalis) é considerada uma das pragas mais destrutivas e disseminadas nos canaviais. Esse lepidóptero se destaca pela capacidade de causar sérios danos ao interior dos colmos, afetando diretamente a qualidade da planta e comprometendo a produção. 

A larva da broca perfura o colmo, criando galerias que interrompem o fluxo de seiva, o que causa enfraquecimento da planta, redução do teor de açúcar e, consequentemente, perdas econômicas substanciais.

O ciclo de vida da Diatraea saccharalis é dividido em quatro fases: ovo, larva, pupa e adulto. A fêmea adulta deposita os ovos na superfície das folhas da cana-de-açúcar e, após a eclosão, as larvas começam a se alimentar das folhas jovens antes de perfurar o colmo. É nesse estágio larval que ocorrem os maiores danos. 

As larvas escavam túneis dentro dos colmos, prejudicando a estrutura interna da planta e facilitando a entrada de patógenos, o que acelera o processo de apodrecimento da cana e diminui a pureza do caldo. Além disso, causa danos, como perda de peso, morte das gemas, brotações laterais e entrenós menores. Também observa-se o sintoma chamado de “coração-morto”, que é a morte da gema apical.

O estágio larval pode durar de 50 a 60 dias, dependendo das condições ambientais, como temperatura e umidade.

Os danos causados pela broca-da-cana são profundos e podem representar uma perda considerável na produção de sacarose, o que, em grandes áreas de cultivo, pode significar prejuízos milionários. 

Além da diminuição na qualidade da cana, a infestação pode aumentar os custos de processamento na usina, já que o colmo danificado é mais suscetível à deterioração, o que afeta diretamente a eficiência na produção de etanol e açúcar. 

A presença da broca também reduz a longevidade dos canaviais, forçando a renovação prematura das plantações, o que eleva ainda mais os custos.

Sphenophorus levis

O Sphenophorus levis, também conhecido como bicudo-da-cana, é uma das pragas mais severas e difíceis de controlar na cultura da cana-de-açúcar. Originário de áreas tropicais, esse inseto coleóptero tem se tornado uma ameaça crescente nas plantações brasileiras, onde suas larvas encontram condições ideais para se desenvolver. 

O Sphenophorus é um besouro que causa danos severos no interior dos rizomas e na base dos colmos, dificultando a absorção de água e nutrientes e comprometendo diretamente o desenvolvimento da cultura.

Seu ciclo de vida se inicia quando a fêmea deposita seus ovos nas bases dos colmos da planta. As larvas, após eclodirem, começam a se alimentar da base da planta, formando galerias subterrâneas que comprometem o desenvolvimento do vegetal. 

É nesse estágio larval que ocorrem os maiores prejuízos. A pupa se desenvolve próxima do solo e o adulto emerge, continuando o ciclo reprodutivo. O adulto pode ser encontrado fora das touceiras, porém também se abriga nas galerias formadas pelas larvas dentro dos rizomas.

O ataque do bicudo resulta em uma série de prejuízos, começando pelo enfraquecimento dos canaviais. Como as larvas destroem a base dos colmos, a planta tem dificuldade em translocar nutrientes e água, resultando em murchamento, crescimento reduzido e, em casos severos, morte da planta

Cigarrinha-das-raízes

A cigarrinha-das-raízes (Mahanarva fimbriolata) é uma praga significativa na cultura da cana-de-açúcar, comumente encontrada em regiões de clima tropical e subtropical, onde as condições de calor e umidade favorecem seu desenvolvimento. Esse inseto vem se tornando um dos maiores problemas para os produtores de cana no Brasil.

O inseto se torna ativo após as primeiras chuvas da primavera, quando suas ninfas começam a se alimentar das raízes da cana, protegidas por uma espuma densa que elas secretam. 

Essa espuma, que se forma na base dos colmos e nas raízes superficiais, serve como uma barreira contra predadores e desidratação. Quando não controlada, a infestação pode reduzir a produtividade em até 25%, destacando a necessidade de monitoramento constante da lavoura, especialmente durante o início do período chuvoso, momento em que as populações de cigarrinhas aumentam.

O ciclo de vida da cigarrinha dura em torno de 80 dias e inclui três fases: ovo, ninfa e adulto. A fêmea deposita cerca de 340 ovos próximo ao solo, e as ninfas, ao eclodirem, se fixam nas raízes, por meio das quais se alimentam por até 70 dias. 

Durante essa fase, as ninfas liberam uma saliva tóxica que danifica os tecidos da planta, provocando necrose e desidratação dos vasos condutores. Isso resulta em tecidos danificados, afetando gravemente a saúde e o crescimento da cana.

Quando adultas, as cigarrinhas se deslocam para a parte aérea da planta, alimentando-se dos colmos e das folhas, liberando mais toxinas. Esse comportamento causa o sintoma de manchas amareladas nas folhas que evoluem para uma coloração avermelhada. 

A planta sofre com a redução da fotossíntese e com a contaminação por microrganismos, levando à deterioração dos tecidos, o que compromete a qualidade e o teor de sacarose dos colmos.

Broca-gigante 

A broca-gigante (Telchin licus) é uma das pragas mais impactantes na cultura da cana-de-açúcar. É uma mariposa cujas larvas causam danos severos à estrutura interna dos colmos e rizomas da cana, provocando perdas substanciais na produtividade. 

Originária de áreas tropicais, a broca-gigante é conhecida por sua capacidade de perfurar profundamente as plantas e, em altas infestações, compromete a longevidade dos canaviais, tornando o controle extremamente necessário.

O ciclo de vida da Telchin licus é dividido em quatro estágios: ovo, larva, pupa e adulto. A fêmea adulta deposita seus ovos na base das plantas ou diretamente no solo ao redor dos colmos. Após a eclosão, as larvas começam a penetrar no rizoma e nos colmos da cana, construindo extensas galerias internas. Essas larvas alimentam-se do tecido interno, causando a interrupção do fluxo de nutrientes e água.

Durante o estágio larval, a praga causa os maiores danos. As galerias perfuradas pelas larvas afetam diretamente o desenvolvimento dos colmos, causando rachaduras e, muitas vezes, apodrecimento da planta. 

Ao final dessa fase, a larva se transforma em pupa. O adulto, uma grande mariposa de coloração escura, emerge após esse período, reiniciando o ciclo.

Os danos provocados pela broca-gigante podem ser devastadores para os produtores de cana-de-açúcar. As galerias perfuradas pelas larvas prejudicam a circulação de nutrientes, resultando em colmos ocos e rachados. 

Essa degradação compromete a qualidade da matéria-prima, reduzindo o teor de sacarose, o que impacta diretamente a produção de açúcar e etanol. Além disso, os colmos danificados tornam-se suscetíveis ao ataque de fungos e bactérias, o que acelera o processo de apodrecimento.

Os prejuízos podem ser exacerbados pela dificuldade de controle, já que as larvas ficam profundamente alojadas nos colmos e rizomas, muitas vezes sendo detectadas tardiamente. Em áreas severamente infestadas, as perdas de produtividade podem ser significativas, com elevação dos custos de renovação dos canaviais.

Outras pragas

Além das espécies descritas, diversas outras pragas podem comprometer a produção do canavial:

  • cigarrinha-da-folha (Mahanarva posticata);
  • broca-dos-rizomas (Migdolus fryanus);
  • cupins (Heterotermes tenuis, Cornitermes cumulans, Procornitermes triacifer);
  • percevejo-castanho (Scaptocoris castanea);
  • broca-peluda (Hyponeuma taltula);
  • formiga-cortadeira (Atta laevigata).

Para um manejo efetivo dessas pragas, recomenda-se aos produtores e técnicos utilizar de forma integrada as ferramentas disponíveis do Manejo Integrado de Pragas (MIP).

Manejo Integrado de Pragas (MIP)

Diante da diversidade de pragas que ameaçam a produção de cana-de-açúcar, o MIP surge como uma solução eficiente e sustentável, que visa equilibrar o uso de diferentes estratégias de controle para minimizar os danos econômicos e preservar os inimigos naturais das pragas. 

Esse manejo é baseado em três níveis fundamentais: nível de equilíbrio, de controle e de dano econômico.

  • Nível de equilíbrio (NE)

O nível de equilíbrio refere-se ao ponto em que a população da praga é mantida sob controle sem causar prejuízos significativos à lavoura. Isso é alcançado por meio do uso equilibrado de agentes biológicos, defensivos e práticas culturais. 

O objetivo é manter um ecossistema saudável no qual as pragas não se proliferem de maneira descontrolada e as plantas se desenvolvam com vigor.

  • Nível de Controle (NC)

É o ponto de infestação da praga em que se deve iniciar o controle para evitar que os danos alcancem o nível de dano econômico. 

Monitoramentos frequentes e criteriosos são essenciais para identificar quando esse nível é atingido. O controle pode ser feito com o uso de defensivos agrícolas seletivos aliados ao manejo biológico, a depender da praga e das condições da lavoura.

  • Nível de Dano Econômico (NDE)

O NDE é a base do MIP. Ele define o ponto em que os danos causados pela praga ultrapassam os custos de controle. 

Em outras palavras, o controle só deve ser realizado quando a infestação da praga começar a impactar economicamente a cultura. Isso diminui os custos na lavoura e protege o meio ambiente.

A seguir, falaremos sobre o monitoramento e os tipos de controle para essas pragas.

Monitoramento

É importante destacar alguns pontos importantes sobre essa fase.

  • Inspeção visual: realizada ao longo de todo o ciclo da cultura, envolve a verificação direta de sinais de danos causados pelas pragas, como perfurações em colmos e rizomas, presença de espuma (no caso da cigarrinha das raízes), colmos rachados ou murchamento das plantas. Essa inspeção pode ser feita em amostras representativas da área cultivada.
  • Monitoramento climático: as condições climáticas, como a umidade e a temperatura, influenciam diretamente o ciclo de vida das pragas. Monitorar o clima é essencial para prever picos populacionais, como a cigarrinha-das-raízes, que tende a se proliferar durante o início do período chuvoso.

Controle cultural

O controle cultural visa modificar o ambiente de cultivo para reduzir a incidência de pragas, tornando o sistema agrícola menos favorável ao seu desenvolvimento. Algumas práticas eficazes incluem:

  • Variedades resistentes: o plantio de variedades de cana-de-açúcar geneticamente mais resistentes a pragas pode reduzir significativamente os danos causados por essas pragas.
  • Controle de irrigação: o manejo adequado da irrigação ajuda a manter o solo menos propício para pragas que preferem alta umidade. A redução de áreas excessivamente úmidas e a drenagem eficiente do solo dificultam o desenvolvimento dessas pragas.
  • Remoção de hospedeiros alternativos: eliminar plantas daninhas e gramíneas que podem servir de hospedeiros para pragas é uma estratégia eficaz para diminuir as fontes de alimento e reprodução de algumas espécies.
  • Ajuste na densidade de plantio: uma densidade de plantio adequada, com espaçamento correto entre as plantas, favorece a ventilação e a luz solar, dificultando a sobrevivência de pragas que preferem ambientes mais fechados e úmidos.
  • Rotação de culturas: alternar o cultivo de cana-de-açúcar com outras culturas ajuda a reduzir a pressão de pragas como o bicudo-da-cana e a broca-dos-rizomas, interrompendo seu ciclo de vida.

Controle biológico

O controle biológico utiliza inimigos naturais das pragas para reduzir suas populações de forma sustentável e sem impacto ambiental. As principais opções incluem:

  • parasitoides;
  • predadores naturais;
  • fungos entomopatogênicos;
  • nematoides entomopatogênicos.

O controle biológico depende diretamente da espécie de praga, uma vez que cada inseto possui inimigos naturais específicos que devem ser introduzidos de forma adequada para garantir o sucesso no controle. 

Além disso, é necessário avaliar a situação de cada lavoura, já que as condições ambientais e o nível de infestação influenciam na escolha dos agentes biológicos mais eficazes para cada caso.

Controle químico

O controle químico é utilizado como uma ótima ferramenta do MIP. O uso de inseticidas deve ser feito de maneira criteriosa, respeitando os princípios de seletividade e eficácia de controle.

  • Aplicação localizada: os inseticidas devem ser aplicados de forma direcionada, utilizando técnicas como pulverizações na base das plantas ou diretamente nas áreas infestadas, visando atingir as pragas no estágio mais vulnerável.
  • Rotação de inseticidas: para evitar a seleção de pragas resistentes aos produtos químicos, é recomendada a rotação de princípios ativos, garantindo maior eficácia e prolongando a vida útil dos inseticidas.
  • Monitoramento pós-aplicação: após o uso de inseticidas, é essencial continuar o monitoramento para avaliar a eficácia do controle e evitar novas infestações.
  • Recomendações técnicas específicas: o uso de defensivos agrícolas deve seguir recomendações técnicas rigorosas, levando em consideração fatores como o nível de infestação, o tipo de praga, o estágio da cultura e as condições climáticas, garantindo a aplicação correta e segura dos produtos.

O sucesso do MIP na cana-de-açúcar depende da integração eficiente entre o monitoramento contínuo e a aplicação de práticas culturais, biológicas e químicas. A implementação coordenada dessas estratégias permite o controle sustentável das pragas, garantindo a produtividade e preservando o ambiente.

Caminhos para uma produção sustentável e eficiente

O controle eficaz de pragas na cultura da cana-de-açúcar exige uma estratégia integrada e personalizada. O MIP se destaca como a solução mais eficiente, pois combina diversas práticas — desde o monitoramento contínuo até o uso equilibrado de métodos de controle cultural, biológico e químico. 

Esse enfoque permite não apenas reduzir a pressão de pragas, como broca-da-cana, bicudo, cigarrinha-das-raízes e broca-gigante, mas também preservar o equilíbrio ecológico nas lavouras.

Para garantir o sucesso do MIP, é fundamental que as decisões de controle sejam baseadas em dados precisos obtidos por meio de monitoramento rigoroso, ajustando as intervenções ao nível de infestação e às condições climáticas de cada região. 

Dessa forma, os produtores conseguem otimizar a produtividade e proteger seus cultivos de forma sustentável, assegurando que a cana-de-açúcar continue sendo um pilar da economia agrícola e energética brasileira.