Neste ano, o setor sucroenergético tem enfrentado uma das fases mais desafiadoras que já vimos nos últimos tempos. Talvez você também tenha sentido isso: a seca persistente, que já é considerada uma das piores dos últimos 30 anos, e o aumento das queimadas em regiões produtoras têm causado enormes preocupações para quem está envolvido nessa cadeia de produção.
Em abril, início do ano-safra, compartilhamos um pouco das expectativas do Pecege para o setor sucroenergético em 2024, e agora, retomamos essa conversa com o apoio do especialista Raphael Delloiagono. Com o avanço da safra, a realidade causa incertezas e demanda adaptações que exigem que o produtor revisite suas estratégias de gestão para mitigar as perdas e, ao mesmo tempo, acompanhar o comportamento do mercado.
Desenvolvimento e produtividade da cana-de-açúcar: expectativa e realidade
A safra de cana 2024 já começou com expectativas de produtividade reduzidas, principalmente devido às previsões climáticas, só que essa previsão de perda de produtividade estava associada ao segundo semestre da safra.
“A princípio, o que a gente teve no começo da safra foi uma produtividade boa, apesar da gente ter essa percepção que a produtividade seria abaixo do ciclo anterior, nos meses iniciais do ciclo, ela estava vindo bastante forte.” contextualiza Raphael.
O especialista afirma que, apesar desse bom cenário inicial, havia a consciência de que a cana que foi colhida na reta final da safra dificilmente seria colhida no final do ciclo novamente. Isso porque a seca intensa registrada entre dezembro e março prejudicou o desenvolvimento das lavouras, refletindo-se em uma produtividade abaixo do esperado em diversas regiões.
“Além de ser uma cana que presenciou um menor nível de precipitação durante o seu período de desenvolvimento, ela também teria, em termos absolutos, menos meses no campo para se desenvolver. Então ela seria colhida novamente em termos de 10 meses de desenvolvimento, 11 meses, no máximo, sendo que o ideal era que ela ficasse o ciclo todo de 12 meses no campo. Então, por esses dois fatores, a gente já tinha, previamente, essa percepção de que a reta final da safra, a segunda metade da safra 2024/25, seria de quebra de produtividade.” explica Raphael.
De acordo com o gráfico abaixo, é possível ver que esse descolamento das linhas de produtividade se intensificou a partir de julho:
Apesar desse cenário ter sido previsto, Raphael destaca que a seca observada foi a mais intensa dos últimos 30 anos, o que acende um grande alerta para o setor:
“De uma perspectiva histórica, esse verão, final de 2023 e início de 2024, foi o período onde a gente teve o menor nível de precipitação em termos históricos comparado aos últimos 30 anos. Então nunca antes choveu tão pouco durante essa janela. E isso já era um grande indicativo de que em algum momento o canavial sofreria com isso.”
Mesmo sem saber que seriam números históricos, os impactos diretos da seca – prejuízos no desenvolvimento do canavial – já tinham sido considerados. No entanto, tivemos mais um fator de grande impacto que não poderia ter sido previsto: a intensidade das queimadas.
Raphael explica: “[a intensidade das queimadas] era algo que a gente não conseguia antecipar no início da safra, mas que também contribuiu para essa quebra ainda mais agressiva do que a gente estava colocando, o que de certa forma também está relacionado com as condições climáticas ao longo da safra. Porque não somente o período de verão, o período onde deveria chover, não choveu, mas se a gente comparar mesmo após o início do ciclo, que chega a essa linha verde aqui no gráfico de precipitação [acima], ela ainda está nos mínimos históricos durante o período de colheita, que é um período que tende a chover bem menos, mas ainda assim durante o ano de 2024 choveu menos ainda, o que abriu uma questão aí, facilitou um alastramento acima do que geralmente acontece dos focos de incêndios nos canaviais.”
Sobre a moagem: -54 milhões de toneladas
Segundo Raphael, as queimadas estão representando perdas de 3% a 5% em termos de massa verde, em termos de toneladas de cana que serão moídas: “começou com 3%, e isso logo nas primeiras semanas de setembro. Conforme o tempo foi passando, a gente foi vendo que o dano era maior do que havia a percepção ao princípio.”.
De acordo com os dados levantados até o momento da nossa conversa, Raphael destacou que essa combinação de menor tempo de desenvolvimento da cana no campo, de menor precipitação durante o período crucial para o desenvolvimento, e também essa questão das queimadas, custaram ao setor aproximadamente 54 milhões de toneladas.
“Hoje, a gente trabalha com uma moagem próxima de 600 milhões no fechado, em março de 2025. Esses números são de algumas semanas atrás, então hoje a gente já entende que talvez esses 600 milhões se configurem num limite máximo, num teto, para essas estimativas, podendo ficar até um pouco abaixo desses 600 milhões, talvez 598, 599. O ponto é que pelo menos 54 milhões de toneladas essas condições geraram aí de perda no canavial, em termos de moagem de cana-de-açúcar.” explica o especialista do Pecege.
Colheita da cana-de-açúcar 2024/25: as aparências podem enganar
Raphael explica que existe outro aspecto que precisa ser considerado ao analisar a safra de cana-de-açúcar 2024/25: “apesar dessas questões negativas, da falta de precipitação, tem uma questão envolvendo o andamento da safra […] Na medida que não choveu durante o período de colheita, as usinas conseguiram adiantar e impor um ritmo bastante acelerado na colheita de cana-de-açúcar. Então a gente tem, em números, hoje, uma quantidade maior de cana-moída do que o período equivalente da safra anterior.”
Em dados, de abril até a segunda quinzena de agosto, a safra atual (2024/25) colheu 466 milhões de toneladas de cana, enquanto, no mesmo período da safra passada, esse número estava em quase 448 milhões de toneladas.
Apesar disso parecer algo positivo, considerando que a safra passada atingiu recordes de moagem no Centro-Sul, o especialista alerta: “o grande trunfo da safra passada foi o período de novembro e dezembro […] onde nunca antes se moeu tanta cana como se moeu no último trimestre de 2023, o que não deve se repetir nesse ano, por conta dessas condições já mencionadas […] As pesquisas que nós fazemos indicam que, até a segunda quinzena de novembro, grande parte da nossa amostra já vai ter encerrado a moagem.”
De acordo com a análise e com as usinas integradas à pesquisa do Pecege, ao final de novembro, boa parte delas já terão parado. Ou seja, não haverá o mesmo movimento final que foi observado na safra passada, e que foi aí o grande responsável pelo setor alcançar a impressionante marca de 654 milhões de toneladas.
Raphael explica que essa antecipação ou aceleração da colheita na safra 2024/25 ocorreu por conta da seca, e que a tendência é que isso cause uma “morte súbita” no mercado: “a gente acelerou tanto que acabou a cana, vai faltar cana pra essa reta final de safra, então, de repente, a gente vai sentir essa queda mais abrupta.”.
Mix de produção da cana-de-açúcar: como está o cenário na safra 2024/25?
Se por um lado a análise dos especialistas do Pecege acertou nas estimativas de queda de produção – por outro, o agro sempre reserva surpresas. “A princípio, a gente imaginava uma safra ainda mais açucareira do que a gente tá tendo agora. Conforme o andamento, conforme a safra foi evoluindo, a gente foi vendo que isso não estava se concretizando”, comenta Raphael.
Parte do ganho adicional na produção açucareira deveria vir de novas unidades investindo em cristalização e produção de açúcar, mas, conforme observado, “alguns desses investimentos não conseguiram maturar ao longo dessa safra… o que significa que eles não ficaram prontos a ponto de entregar essa taxa de açúcar adicional que nós imaginávamos.”
Além disso, o impacto das queimadas foi significativo para o mix também. Raphael conta que, em agosto, com o advento das queimadas, eles entenderam que essa safra não seria tão açucareira como imaginavam a princípio. Isso porque boa parte da cana queimada não é adequada para a produção de açúcar e, portanto, foi redirecionada para a produção de etanol. “Então, hoje a gente trabalha com um mix de etanol ligeiramente acima daquele que a gente teve na safra passada.” afirma o especialista.
Atualmente, espera-se um mix de etanol de aproximadamente 51,7% em comparação a 51,1% na safra anterior. Essa mudança é atribuída a “questões agronômicas, dessa cana que seria direcionada para açúcar [que] está sendo direcionada para o etanol.” Raphael também explica que esse movimento reflete uma imposição física, mais do que uma condição de mercado, já que “em termos de preço… o açúcar continua muito mais interessante de ser produzido e de ser comercializado do que o etanol.”.
O cenário atual confirma algumas das previsões de abril, como a queda na produtividade. No entanto, a intensidade da seca e o crescimento dos focos de queimadas foram elementos que geraram camadas adicionais e inesperadas de desafios para os produtores, usinas e indústria.
A resiliência do setor sucroenergético tem sido testada, e a adaptação a essa nova realidade climática será fundamental para garantir a sustentabilidade e a rentabilidade da produção.
Para continuar se mantendo atualizado com base em dados e pesquisas de especialistas do setor, continue acompanhando nossa parceria com o Pecege aqui no Mais Agro.
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