Na última década, o setor sucroenergético passou por diversos momentos quanto à sua economia: até 2016, o forte controle do preço da gasolina reduziu significativamente a rentabilidade do etanol, pressionando também o preço do açúcar. A implementação da precificação da gasolina da Petrobras, por meio de preços de paridade de importação (PPI), em 2017, alinhou o mercado brasileiro de combustíveis ao internacional, gerando grande competitividade em relação ao etanol nas safras 2018/2019 e 2019/2020.

A eclosão da pandemia de COVID-19 em 2020, embora tenha reduzido sobremaneira o preço do etanol, resultou em uma desvalorização cambial muito favorável ao setor sucroenergético, inclusive pela redução do preço dos insumos agrícolas em um primeiro momento.

A recuperação econômica após os momentos mais agudos da pandemia, contudo, foi de encontro a uma oferta ainda enfraquecida, com aumentos nos preços das commodities agrícolas e insumos-chave como petróleo e fertilizantes. Em 2022, após o início da guerra no Leste Europeu, o aumento do preço dos combustíveis levou a uma redução de tributos incidentes notadamente desfavorável ao etanol, impactando negativamente o setor.

Em 2023, embora o mercado para o biocombustível tenha permanecido pressionado, os preços recordes do açúcar no mercado internacional asseguraram a manutenção de boas margens para as usinas mistas. No caso das destilarias, contudo, o desafio de manter margens positivas permaneceu.

Evidentemente, dado o modelo de compartilhamento de receita existente na precificação da cana-de-açúcar de fornecedores, não apenas as usinas e destilarias foram impactadas pelas supramencionadas mudanças ao longo dos anos, mas agricultores de diversas escalas.

Como se observa, mesmo em um período curto em termos históricos, o setor atravessou muitos desafios oriundos de eventos exógenos, tanto no âmbito doméstico quanto no internacional. No entanto, ao longo dos anos, ficou evidenciado que a produção exclusiva de etanol tem se mostrado muito arriscada, com alguns grupos procurando diversificar em direção ao açúcar e, em alguma medida, novos produtos.

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Desafios do setor sucroenergético

A fraqueza do mercado do etanol contrasta com a visão de transição energética no Brasil. Contudo, o setor tem começado a investir em outros combustíveis, reduzindo a sua exposição às políticas econômicas domésticas.

Nesta primeira onda, as primeiras plantas de produção de etanol de segunda geração (E2G) tem focado na exportação do produto para mercados desenvolvidos, recebendo prêmios significativos – inclusive de forma a compensar os custos de produção mais elevados.

Com crescimento mais acelerado, a produção de biometano a partir da vinhaça nas usinas vem ganhando força, criando um substituto sustentável para o gás natural utilizado na geração de calor e para o diesel em caminhões das próprias frotas.

Em mais longo prazo, espera-se que o combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês) e o hidrogênio verde possam ser dois direcionadores importantes do setor, ambos com menor dependência da política doméstica.

Essa série de novos produtos coloca um desafio também para os fornecedores de cana-de-açúcar, tanto no que tange a uma priorização da quantidade de biomassa e não necessariamente de ATR (açúcar total recuperável), quanto no modelo de precificação de seu produto agrícola, que pode se tornar antiquado.

No campo, também se vê esforços na direção de uma economia circular dentro do setor sucroenergético. A já tradicional fertirrigação com vinhaça vem sendo aprimorada por meio de seu enriquecimento, bem como a aplicação na modalidade localizada, inclusive em conjunto com defensivos agrícolas.

Quando se opta pela biodigestão da vinhaça para a produção de biometano, o resíduo do processo (digestato) pode ser empregado no campo como biofertilizante, fortalecendo a tendência do uso de bioinsumos.

A volatilidade dos preços dos fertilizantes convencionais tem incentivado a adoção de bioinsumos. O conflito entre Rússia e Ucrânia, em especial, evidenciou a dependência de insumos agrícolas externos e a susceptibilidade do setor agrícola às mudanças no cenário internacional quanto à economia e à geopolítica.

De acordo com estudo realizado pela CropLife e S&P Global, o mercado de bioinsumos no Brasil apresentou um crescimento de 23% entre 2022 e 2023 e deve totalizar R$ 17 bilhões até 2030. Esses resultados devem impulsionar a exploração desse setor dentro das principais empresas do setor de insumos agrícolas.

Em particular, no mercado de bioinsumos utilizados na produção canavieira do Brasil, destacam-se os nematicidas biológicos. O uso de bionematicidas tem ganhado destaque pelo menos desde 2021, dado o reconhecimento de sua eficiência no combate de nematoides. Dados do Compara Biológicos, levantamento do Pecege Consultoria e Projetos voltado ao sucroenergético, apontam que, no quarto trimestre de 2023, o uso desses agentes esteve em alta.

Expectativas para 2024

Como se apresenta no infográfico abaixo, após recordes na safra 2023/2024, a produtividade deve sofrer uma redução de 8,1%, totalizando 80,4 toneladas de cana-de-açúcar por hectare – valor que, em termos históricos, ainda é expressivo.

A principal razão para tal redução é o clima menos favorável, com chuvas abaixo da média entre o final de 2023 e início de 2024, bem como uma expectativa de menor pluviosidade ao longo da colheita, dado o fim do El Niño.

Compensando marginalmente a redução da produtividade, espera-se um aumento da área colhida, o que se deve à melhora da competitividade da cana-de-açúcar frente aos grãos, cujos preços se deterioraram de meados de 2022 em diante. O resultado líquido de menor produtividade e área levemente maior é uma moagem 7,95% inferior à safra 2023/2024.

Quanto à alocação da matéria-prima, espera-se o predomínio do açúcar: no Centro-Sul, a participação do adoçante no mix deve chegar a 51,9%. Esse aumento da participação, contudo, não deve ter correspondência em um aumento da quantidade total produzida, dada a menor moagem, ficando a produção de açúcar limitada a 41,8 milhões de toneladas, cerca de 1% menor que a safra anterior. Por conta dessa relativa estabilidade na produção de açúcar e a menor moagem, evidentemente, o volume de etanol produzido deve diminuir.

A priorização do açúcar deve se mostrar um vetor positivo, especialmente para usinas que realizaram boas fixações de preços para o açúcar em 2023, aproveitando as excelentes cotações vigentes até novembro. Esses compromissos firmados e a atual curva futura de preços – mesmo que levemente decrescente – tende a manter o adoçante economicamente mais interessante para as usinas que o etanol.

No caso do biocombustível, a redução dos estoques diante do consumo crescente e da menor produção deve começar a pressionar os preços, especialmente no segundo semestre, sem melhorar substancialmente sua atratividade para as usinas.

O crescimento contínuo da oferta de etanol de milho, inclusive, tem contribuído para a redução da sazonalidade de preços tradicionalmente observada no setor. Essa situação poderia ser modificada apenas mediante uma abrupta elevação do preço da gasolina – presumivelmente em função de um maior preço internacional do petróleo –, porém isso se mostra improvável, especialmente em um contexto em que a política de PPI (Preço de Paridade de Importação) não é mais vigente.

Do lado dos custos, embora seja esperada certa estabilidade no preço de insumos agrícolas e industriais, a queda da produtividade e a retomada de tratos culturais abdicados durante os anos de 2022 e 2023 deverão pressionar os custos do setor. O maior dispêndio em tratos culturais deve ocorrer a despeito do clima mais seco, tipicamente favorável ao controle de pragas, ressaltando-se que o maior incremento de gastos deve ocorrer com fertilizantes.

Em uma perspectiva de longo prazo, não se espera que os movimentos de preços e custos de produção na safra 2024/2025 suprimam os investimentos do setor em diversificação, especialmente em direção a uma economia de baixo carbono, o que inclui melhor uso de resíduos da indústria sucroenergética – inclusive pela combinação de operações que possam reduzir o consumo de diesel no campo – e intensificação do uso de defensivos biológicos.

Perspectivas e oportunidades do setor sucroenergético

Como já discutido, na safra 2024/2025, o setor sucroenergético do Centro-Sul canavieiro deve ter como desafios a redução da produtividade agrícola, com consequente aumento de custos, e os preços do etanol ainda pressionados.

Essa situação tende a acentuar a heterogeneidade existente no setor, especialmente entre destilarias e usinas com elevadas capacidades de produção de açúcar. Em alguma medida, isso deve se refletir também no mercado de matéria-prima, com destilarias apresentando dificuldades em pagar bons preços pela cana-de-açúcar, enquanto usinas mistas, a depender da região, podem ofertar bonificações importantes como forma de garantir a matéria-prima para atender os compromissos já fixados.

No caso dos players menos favorecidos pelo momento do açúcar, o adequado planejamento das operações é fundamental, bem como um gerenciamento agrícola que considere a necessidade de redução de custos, mas sem impactos significativos sobre a produtividade agrícola. Já as usinas que se beneficiarem do mercado global do adoçante podem seguir investindo em novos produtos da transição energética, assim como melhores tratos culturais visando assegurar melhores níveis de produtividade.

Como já mencionado, quanto ao contexto climático, a redução do volume de chuvas nos meses iniciais de 2024 deve impactar negativamente os números de produtividade e produção da safra 2024/2025 de cana-de-açúcar.

Além disso, o último relatório divulgado pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) dos EUA indica a ocorrência do fenômeno climático La Niña a partir de junho de 2024, sendo os meses de abril e maio de neutralidade. Como algumas consequências do fenômeno, tem-se o atraso e o menor volume de chuvas, assim como a possibilidade de ocorrência de geadas na região Centro-Sul, o que pode influenciar o desempenho dos canaviais. 

Do ponto de vista agronômico, além dos fatores mencionados, o menor volume de chuvas e as temperaturas mais frias podem contribuir para a maior concentração de açúcares e qualidade da matéria-prima e menor pressão de pragas, cujo desenvolvimento é impulsionado por maiores temperaturas e umidade, como cigarrinha e broca-da-cana. Por outro lado, essas condições podem influenciar negativamente na eficiência de alguns bioinsumos. 

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Autores:

Peterson Santos – Analista Econômico do Pecege Consultoria e Projetos

Carol França – Analista de Custos do Pecege Consultoria e Projetos

Beatriz Ferreira – Analista Econômico do Pecege Consultoria e Projetos

Raphael Delloiagono – Analista Econômico do Pecege Consultoria e Projetos

Sobre o Pecege Consultoria e Projetos:

Desde 2007, o Pecege Consultoria e Projetos se consolidou como uma das fontes mais confiáveis do mercado no setor sucroenergético. Especializada no levantamento de informações primárias, análises econômicas e comparativas, projeções e demais ferramentas para a compreensão do mercado, atuando sempre com imparcialidade e independência. Acompanhando de perto o cenário atual e a evolução das principais tendências, o Pecege Consultoria e Projetos oferece uma consultoria estratégica completa, embasada em forte fundamentação acadêmica. Seu objetivo é impulsionar o desenvolvimento do mercado de cana-de-açúcar e seus derivados em toda a cadeia produtiva, desde usinas até produtores independentes, distribuidoras de combustível, instituições de classe e associações.