O cultivo de alho é uma atividade agrícola de significativa relevância no Brasil, não apenas pela sua importância econômica, mas também pelo papel que desempenha na dieta nacional e em diversos pratos da culinária brasileira. Com o avanço de técnicas de manejo e controle, o país tem conseguido aumentar a produtividade, embora enfrente desafios relacionados a pragas, doenças e condições climáticas.
A cultura do alho tem forte presença em Estados como Minas Gerais, Goiás e Santa Catarina, onde as condições climáticas e os avanços tecnológicos têm favorecido o crescimento das safras. Esse cenário reflete o esforço de produtores e pesquisadores para aprimorar técnicas de cultivo e adaptar as plantas às variações de temperatura e umidade.
A produção brasileira é diversificada, com cultivares de alta e baixa exigência de frio, possibilitando o cultivo em diferentes regiões. No entanto, para alcançar resultados satisfatórios, é fundamental um planejamento cuidadoso e uma execução meticulosa, que leve em conta aspectos botânicos e técnicas de manejo integradas.
Características agronômicas e botânicas do alho
O alho (Allium sativum L.) pertence à família das Liliáceas e é uma planta herbácea perene, cultivada como anual. O bulbo, composto por dentes envoltos em camadas finas e secas, é a parte mais utilizada para consumo e comercialização. Em termos de adaptação, o alho requer clima ameno e solo bem drenado para um bom desenvolvimento.
A planta do alho apresenta sistema radicular fasciculado e caule subterrâneo (o escapo). Suas folhas são alongadas e em forma de fita, desempenhando papel crucial na fotossíntese e no acúmulo de reservas.
Uma característica importante do alho é sua capacidade de adaptação a diferentes tipos de solo, desde que bem drenados e ricos em matéria orgânica. Solos com pH levemente ácido a neutro são os mais indicados para otimizar a absorção de nutrientes. A preparação adequada do solo, com correção de acidez e enriquecimento com compostos orgânicos, contribui significativamente para o desenvolvimento saudável da planta e para o aumento da produtividade.
Além da preparação do solo, outro importante ponto de atenção é a escolha da cultivar, que deve considerar fatores como região, clima e finalidade de mercado.
Cultivares de alho
A produção de alho no Brasil se divide em duas categorias principais. A primeira inclui os produtores que optam pelo cultivo de alho nobre roxo, que se destaca por formar bulbos de alto valor comercial, valorizados por sua aparência e qualidade superior.
A segunda abrange os produtores de alho comum, também conhecido como tropical ou semi-nobre. Esse tipo é mais rústico e menos exigente em relação às condições edafoclimáticas, mas gera bulbos com formato e aparência menos atraentes para o consumidor.
Os alhos nobres produzem bulbos com túnicas de coloração branca e bulbilhos revestidos por películas de tom roxo intenso, contendo de 8 a 12 bulbilhos por bulbo. Já os bulbos de alho comum apresentam cores que variam entre branco e creme, com estrias de antocianina que conferem um aspecto arroxeado. Os bulbilhos do alho comum são recobertos por películas brancas ou rosadas e em média somam cerca de 15 unidades por bulbo.
As cultivares de alho nobre são mais comuns na região Sul do Brasil e demandam mais de 13 horas diárias de luz e temperaturas mais baixas para que a formação dos bulbos ocorra adequadamente. Nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e na Bahia, essas cultivares só formam bulbos após passarem por vernalização antes do plantio.
Elas têm um ciclo de cultivo longo, que pode ultrapassar 180 dias no Sul, enquanto nas demais regiões o ciclo varia de 90 a 130 dias. Essas cultivares têm sido cultivadas com vernalização em regiões que vão desde o centro e norte do Paraná, passando por Mato Grosso do Sul, São Paulo, Minas Gerais e Goiás, até áreas de altitude no norte da Bahia e na Chapada Diamantina.
Por outro lado, as cultivares de alho comum, embora possuam menor aceitação comercial em comparação ao alho nobre, ainda são amplamente cultivadas por pequenos produtores. Elas exigem um fotoperíodo menor para a bulbificação, precisando de apenas 9 horas diárias de luz, o que permite seu cultivo em qualquer região do país sem a necessidade de vernalização. Essas cultivares têm um ciclo intermediário de 130 a 160 dias para serem colhidas.
O alho comum continua popular em mercados regionais e informais do Brasil, muitas vezes comercializado em réstias. Sua resistência e facilidade de cultivo contribuem para sua presença constante e sua importância para a agricultura familiar.
Embora existam cultivares mais tolerantes, é recomendável estar atento às principais pragas, doenças e plantas daninhas que podem interferir na produção da hortaliça.
Pragas, doenças e plantas daninhas no cultivo de alho
A presença de pragas e doenças, além de plantas daninhas, na área de cultivo está fortemente relacionada as condições ambientais e as práticas de manejo, que definirão quais espécies de insetos e patógenos poderão se desenvolver mais facilmente no campo. Entretanto, existem algumas espécies que são mais comuns e costumam ser encontradas facilmente pelos produtores.
Principais pragas do alho
- Ácaro (Eriophyes tulipae)
O ácaro-do-bulbo, também conhecido como micro ácaro-do-alho, é quase imperceptível a olho nu devido ao seu tamanho reduzido e corpo alongado de coloração que varia do branco ao creme. Esses ácaros se alojam nas dobras das folhas e sobre os bulbilhos, locais em que os adultos causam danos ao sugar a seiva da planta. Isso resulta em má formação das folhas, retorcimento característico e aparecimento de estrias cloróticas.
Em infestações severas, pode ocorrer o murchamento e o secamento da planta, comprometendo seu desenvolvimento. Quando o ácaro ataca os bulbos, provoca o chochamento tanto em condições de campo quanto durante o armazenamento, afetando a qualidade e a viabilidade do produto.
- Tripes (Thrips tabaci)
São considerados a principal praga na cultura do alho. Esses insetos pequenos, que medem entre 1 e 1,2 mm, apresentam coloração que varia de amarelo a acastanhado claro e possuem aparelho bucal do tipo picador-sugador. As fêmeas depositam seus ovos na parte inferior das folhas e, após a eclosão, as ninfas de cor amarelo-esverdeada se abrigam nas bainhas, preferencialmente nas folhas centrais da planta.
Tanto as formas adultas quanto as ninfas causam danos significativos ao rasparem e sugarem a seiva das folhas. O resultado desse comportamento é o surgimento de manchas e estrias esbranquiçadas ou prateadas, seguidas pelo amarelecimento e ressecamento das folhas, comprometendo a capacidade de fotossíntese e o vigor da planta.
- Traças
As espécies Ephestia cautela, Ephestia elutella e Plodia interpunctella são conhecidas por causarem danos significativos durante o armazenamento do alho, resultando em perdas de qualidade que tornam os bulbos impróprios para consumo e comprometem aqueles destinados ao plantio como alho-semente.
Essas pragas compartilham hábitos semelhantes: as larvas, após eclodirem, penetram nos bulbilhos e formam galerias enquanto se alimentam, danificando-os completamente e causando prejuízos que podem chegar a 10%.
Os sinais da infestação incluem bulbos chochos e a presença de fezes que podem estar isoladas ou unidas por finos fios de seda, formando cordões sobre os bulbilhos. Esses sintomas evidenciam a atividade das pragas e indicam a deterioração do produto, impactando diretamente a qualidade e o valor comercial do alho armazenado.
Principais doenças do alho
- Mancha púrpura (Alternaria porri)
Essa enfermidade pode ocorrer em todas as regiões produtoras do Brasil e, se não for controlada, pode resultar em perdas superiores a 50% da produção. Devido ao seu ciclo de vida curto, que dura cerca de quatro dias, uma infestação pode se espalhar rapidamente e comprometer toda a lavoura em pouco tempo. Seu desenvolvimento é favorecido por condições de alta umidade relativa do ar e temperaturas que variam entre 21 °C e 30 °C.
Os primeiros sinais da doença incluem manchas pequenas, de formato irregular e coloração esbranquiçada nas folhas. À medida que a doença avança, essas manchas evoluem, mudando para tons amarelados e, em seguida, adquirindo uma coloração púrpura característica.
Em casos de infecção severa, as folhas podem murchar e apresentar enrugamento, começando pelo ápice e progredindo em direção à base, o que afeta diretamente a capacidade da planta de realizar a fotossíntese.
- Mofo azul (Penicillium spp.)
A doença caracteriza-se por uma rápida perda de peso dos bulbos, que ficam chochos devido à deterioração dos bulbilhos. Externamente, os sintomas podem não ser visíveis, mas ao debulhar os bulbos, observa-se a presença de um mofo azul.
Quando os bulbilhos infectados, mesmo sem sintomas aparentes, são utilizados para o plantio, eles desenvolvem lesões que amolecem e ficam cobertas pelo mofo azul, levando à morte da planta de forma rápida.
As plantas que conseguem sobreviver à infecção têm seu crescimento comprometido, resultando em bulbos menores e de menor qualidade. O fungo responsável é disseminado pelo ar e a infecção ocorre principalmente em bulbilhos que apresentam ferimentos.
- Fusariose (Fusarium oxysporum)
A fusariose, ou podridão-seca, é uma doença que se manifesta em ambientes quentes e úmidos, sendo favorecida por danos mecânicos ou ferimentos no alho-semente que facilitam a entrada do fungo. Uma vez presente na planta, o fungo atinge o sistema vascular, causando sintomas como o amarelecimento e murchamento das folhas, que frequentemente se curvam para baixo, indicando comprometimento na circulação de nutrientes.
Nos bulbos, a fusariose se manifesta por meio de uma depressão em um dos lados, sinalizando a presença e desenvolvimento do fungo. Internamente, forma-se um micélio branco que pode comprometer a qualidade e a viabilidade dos bulbos, prejudicando a produtividade e dificultando o armazenamento adequado da colheita.
Outras doenças que também podem comprometer a produção do alho incluem:
- podridão-branca (Sclerotium cepivorum);
- raiz rosada (Pyrenochaeta terrestres);
- ferrugem (Puccinia allii);
- queima bacteriana ou bacteriose do alho (Pseudomonas spp.).
Plantas daninhas na produção de alho
As plantas daninhas representam um desafio significativo para a cultura do alho, competindo diretamente por recursos essenciais como luz, água e nutrientes. Essa competição pode comprometer o desenvolvimento das plantas de alho, resultando em bulbos de menor tamanho e qualidade inferior.
Espécies invasoras como o capim-colchão (Digitaria horizontalis) e o caruru (Amaranthus spp.) são frequentemente encontradas nas áreas de cultivo, prejudicando a produtividade.
A presença de plantas daninhas pode influenciar o microclima da lavoura, aumentando a umidade ao redor das plantas de alho e criando um ambiente propício ao surgimento de doenças. Além disso, as daninhas podem servir como hospedeiras de pragas, o que agrava os riscos fitossanitários e dificulta a manutenção de uma lavoura saudável.
O manejo eficaz das plantas daninhas, das pragas e das doenças é essencial para manter o potencial produtivo e a qualidade da cultura de alho.
Manejo integrado no cultivo de alho
O manejo integrado é uma ferramenta abrangente e estratégica que busca manter o equilíbrio ecológico e a saúde da lavoura por meio da combinação de métodos culturais, biológicos, mecânicos e químicos.
No cultivo de alho, o manejo integrado visa minimizar principalmente a incidência de pragas, doenças e plantas daninhas, promovendo práticas sustentáveis que permitem a produtividade e a qualidade da colheita. Essa estratégia exige monitoramento constante da plantação para identificar problemas em fases iniciais e agir de forma precisa e eficaz.
A aplicação do manejo integrado inclui o uso de práticas culturais, como a rotação de culturas e o preparo adequado do solo, que fortalecem as plantas e reduzem a pressão de patógenos e pragas. Métodos biológicos, como o uso de predadores naturais e agentes biocontroladores, ajudam a manter as populações de pragas sob controle sem prejudicar o ambiente.
Especificamente para plantas daninhas, o controle mecânico pode ser bastante útil para a remoção física dessas plantas, principalmente em condições onde o controle químico possui restrições de uso, como próximo a cursos d’água. A aplicação de defensivos no controle químico é feita de maneira criteriosa, respeitando doses, momentos ideais e rotação de mecanismos de ação para evitar a resistência de pragas e obter a máxima eficiência.
A combinação dessas práticas resulta em uma lavoura mais resiliente e produtiva, possibilitando que o cultivo do alho seja economicamente viável e ambientalmente responsável.
Outros importantes pontos na produção de alho, envolvem as práticas de adubação e irrigação da cultura, além das fases de colheita e comercialização do produto.
Adubação e irrigação: bases para o desenvolvimento do alho
A adubação e a irrigação desempenham papéis essenciais para possibilitar o crescimento vigoroso e a produtividade da cultura do alho. Uma adubação bem planejada deve começar com a análise do solo, identificando as necessidades específicas de nutrientes.
O alho é uma planta exigente em nitrogênio, fósforo e potássio, além de micronutrientes como boro e zinco, fundamentais para o desenvolvimento das folhas e a formação dos bulbos. A aplicação de fertilizantes deve ser feita de forma equilibrada, com o nitrogênio sendo fracionado ao longo do ciclo para evitar a perda excessiva do nutriente no solo.
A irrigação, por sua vez, é crucial para manter o solo com um nível adequado de umidade em todas as fases do cultivo. Na fase inicial, é importante garantir a umidade necessária para a germinação e o estabelecimento das plantas. Durante o crescimento vegetativo, a irrigação deve ser constante, mas sem causar encharcamento, para evitar problemas como a podridão de raízes.
A técnica de irrigação por gotejamento é altamente recomendada, pois proporciona uma distribuição uniforme de água, reduzindo o desperdício e a proliferação de doenças. Na fase de maturação, a irrigação deve ser gradualmente diminuída para permitir a secagem dos bulbos, facilitando a colheita e aumentando a qualidade final do produto.
Colheita e comercialização
A colheita do alho ocorre quando cerca de 70% a 80% das folhas estão secas, indicando que os bulbos atingiram o ponto ideal de maturação. A extração deve ser feita com cuidado para evitar danos mecânicos que possam comprometer a qualidade e o armazenamento do produto.
Após a colheita, os bulbos passam por uma fase de cura, momento em que são secos em locais ventilados para reduzir a umidade e prolongar sua vida útil. A etapa final envolve a classificação e embalagem dos bulbos conforme os padrões de mercado.
A comercialização do alho no Brasil é influenciada por fatores sazonais e pelo tipo de cultivar, com variações significativas de preço durante o ano. Investir em técnicas de pós-colheita, como armazenamento em condições controladas, pode melhorar a valorização do produto e expandir as oportunidades de venda.
Sustentabilidade e perspectivas futuras
O cultivo de alho no Brasil continua a evoluir com o uso de novas tecnologias e práticas mais sustentáveis. Estratégias como a adoção de sistemas de manejo integrados são fundamentais para alcançar a viabilidade da produção e minimizar impactos ambientais.
Com o aumento da demanda por alimentos saudáveis e de qualidade, os produtores de alho têm a oportunidade de se diferenciar apostando em práticas que promovam a sustentabilidade e a eficiência na produção. A adaptação a essas novas exigências pode ser a chave para a longevidade e o sucesso no mercado.
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