A iminência da escassez do petróleo é uma realidade desde o início deste século. Como fonte não renovável de combustível, a falta de petróleo impacta a produção de gasolina e toda a cadeia automotiva. A agroindústria canavieira vem como alternativa para evitar uma crise no mercado e ainda suprir as demandas de maneira mais sustentável, por meio do etanol a partir da cana-de-açúcar.
Os biocombustíveis, provenientes de fontes renováveis, representam uma verdadeira (r)evolução no que diz respeito à mobilidade urbana. A indústria automotiva já há alguns anos se prepara para essa mudança, dando preferência para a produção de veículos flex, híbridos ou totalmente movidos a etanol, biodiesel ou eletricidade.
A eletrificação caminha a passos lentos, mas o potencial produtivo das lavouras e das usinas de cana-de-açúcar molda as tendências do setor por seu importante papel nessa transição energética e sua capacidade de reduzir as emissões de GEE (gases de efeito estufa).
Todavia, há desafios mercadológicos para ampliar o uso de etanol por parte dos consumidores, uma vez que os preços da gasolina vêm apresentando-se mais atrativos, o que diminui a competitividade do etanol hidratado (o subproduto da cana pronto para abastecer os veículos).
Diante da importância inegável de substituir combustíveis fósseis por renováveis, esses impasses precisam ser resolvidos com urgência! As soluções, felizmente, já estão surgindo, a partir de pesquisas e tecnologias que aproveitam ao máximo a cana-de-açúcar a ser processada nas usinas e diminuem os custos de produção de biocombustíveis, tornando o etanol mais competitivo.
Petróleo e gasolina em 2023: panorama sobre a produção e o consumo
Analisando os dados estatísticos da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), verifica-se que o volume total anual de refinamento de petróleo vem aumentando desde 2019, sendo que o ano de 2022 fechou com o resultado de 706.343.778 barris. De fato, apesar da urgência da transição energética, o mercado de combustíveis fósseis ainda é superior ao de biocombustíveis.
Elaborado pela redação, com base em dados do Relatório Executivo da ANP, de fevereiro de 2023.
Em uma análise simples dos dados mais recentes do mercado de combustíveis, verifica-se um recuo na produção de etanol hidratado e de biodiesel, enquanto a gasolina avança em vendas e em produção, aumentando também a demanda pelo etanol anidro a ser misturado na gasolina.
Esse cenário preocupa não só no que tange à emissão de poluentes relacionados às mudanças climáticas, a preocupação volta-se ainda para o esgotamento das reservas de petróleo, cuja R/P (relação entre reserva e produção) é de 13 anos, de acordo com estimativas do BAR 2022 (Boletim Anual de Recursos e Reservas 2022).
Etanol VS gasolina: por que os biocombustíveis estão perdendo competitividade?
A falta de competitividade do etanol de cana-de-açúcar frente à gasolina pode ser explicada pelos preços. Para o etanol realmente ser atrativo ao consumidor, é preciso que represente no máximo 70% do valor da gasolina, a fim de compensar a desvantagem de quilômetros rodados por litro e equiparar-se em eficiência.
No entanto, a grande maioria dos municípios, segundo levantamento da própria ANP, apresenta meses consecutivos em que o etanol hidratado é vendido ao consumidor final a um preço acima dessa porcentagem. Isso se traduz em maior custo para percorrer uma mesma distância para quem usa etanol do que para quem usa gasolina.
Na entressafra da cana-de-açúcar, a oferta do biocombustível aumenta, e, por consequência, os preços para o produtor caem, aumentando os riscos de rentabilidade ao somar a baixa demanda ao tímido retorno sobre investimento. De toda forma, políticas, tecnologias e pesquisas caminham para mudar esse contexto, pela valorização do produto, já que alternativas mais sustentáveis como a substituição de combustíveis derivados de petróleo pelo etanol de cana é uma obrigação mundial, em virtude das questões ambientais.
Aí que entram a agroindústria e, ainda com mais relevância, a produção de cana-de-açúcar, que vêm desenvolvendo medidas para viabilizar a competitividade econômica do etanol, diminuindo os custos da cadeia produtiva. A seguir, trataremos de algumas delas.
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Gerenciamento de resíduos da cana-de-açúcar ajuda a promover a transição energética
São muitos os benefícios de otimizar a produção de cana-de-açúcar, do campo à usina, a fim de melhorar o aproveitamento de resíduos, aumentar a produtividade em diversas etapas da cadeia canavieira, incrementar a qualidade do produto e diminuir os custos operacionais.
Algumas práticas, como o reaproveitamento do bagaço, são mais comuns, enquanto outras, como a produção de biometano a partir de vinhaça, ainda se apresentam como novidades, mas todas promovem a sustentabilidade e a competitividade da cana-de-açúcar e do etanol.
Possibilidades de uso do bagaço da cana
A massa produzida nas lavouras de cana-de-açúcar é direcionada da seguinte forma: ⅓ fica como palhada para a proteção do solo no sistema de plantio direto; ⅓ passa por processamento para derivar açúcar e etanol; e o restante vira resíduo sólido (bagaço) após a moagem nas usinas.
Tanto a quantidade destinada à palhada quanto o bagaço a ser descartado têm possibilidades de aplicação para aprimorar o aproveitamento energético do setor, podendo resultar em energias elétrica, térmica e mecânica, a serem aplicadas
- no próprio processo produtivo da usina, ou seja, o bagaço fornece a energia necessária para produzir etanol (quer mais sustentável que isso?!);
- no abastecimento da matriz energética brasileira. Em 2021, a energia total produzida a partir de biomassa da cana representou 16,4% da OIE (Oferta Interna de Energia), segundo o Balanço Energético Nacional de 2022.
Desde 2015, verifica-se um aumento desse aproveitamento, que impulsiona positivamente os índices de energia renovável no país, em função da substituição de sistemas e equipamentos, do aprimoramento das técnicas de cultivo da cana-de-açúcar, do redirecionamento de parte da palhada de cobertura para a indústria (sem precarizar a produção no campo) e da instalação de novas usinas.
Álcool de celulose, bioóleo e compostos industriais também são subprodutos possíveis a partir do bagaço e da palha – incluindo a produção do que ficou conhecido como etanol de segunda geração –, aumentando a eficiência energética do setor canavieiro. Além disso, da indústria ainda sobram torta de filtro e resíduos de levedura, utilizados como adubo orgânico e alimentação animal, respectivamente.
Por último, o processo de fermentação para a produção do etanol emite CO2 (dióxido de carbono) com nível de pureza muito elevado, podendo ser aproveitado na indústria por meio de aplicações como:
- produção de gelo seco;
- fabricação de refrigerantes;
- composição de compostos químicos.
Toda essa otimização permite reduzir os custos de produção – assunto que será desenvolvido com maior profundidade mais adiante –, aumentando a competitividade do etanol, tão necessária para a transição energética ser possível e para a mobilidade urbana deixar de depender de combustíveis fósseis.
Ademais, a sustentabilidade na agroindústria canavieira permite emitir CBios (créditos de descarbonização), na proporção de um crédito para cada tonelada de CO2 cuja emissão é evitada ao longo do processo de produção. Na prática, isso significa mensurar o alcance de metas internacionais para frear as mudanças climáticas, valorizar os produtos comprovadamente sustentáveis, para além de renováveis, e ainda comercializar os créditos gerados.
Aproveitamento da vinhaça amplia cadeia sustentável de produção de etanol de cana
Uma das frentes do reuso de resíduos da cana é o aproveitamento da vinhaça (ou vinhoto), uma substância líquida resultante do processamento industrial do caldo que, por muito tempo, era descartada indiscriminadamente, prejudicando o solo e as reservas hídricas. Quando as qualidades da substância para reaproveitamento foram descobertas, ela passou a ser redirecionada para própria produção de cana-de-açúcar nas lavouras.
O procedimento consiste na aplicação localizada de vinhaça nas áreas de cultivo, em uma concentração segura para evitar excesso de nutrientes e lixiviação das substâncias contaminantes. Na medida certa, a vinhaça serve como fertilizante vegetal, possibilitando, por exemplo, suprir deficiência de potássio.
Com isso, diminui-se a necessidade e os gastos com adubação química, reforça-se o modelo sustentável de produção, reduzem-se os custos para a obtenção de etanol e torna-se o sistema isento de impactos ambientais.
Outra possibilidade de aproveitamento da vinhaça é a produção de biometano, por meio de sua fermentação. Esse processo não reduz seus nutrientes, de maneira que ainda pode servir ao manejo na aplicação localizada. O gás metano, por sua vez, é importante fonte de energia limpa para adicionar ao sistema agroindustrial ou para ser exportado ao fornecimento de eletricidade.
Assim, a energia demandada para desidratar a vinhaça para uso agrícola é obtida a partir da própria vinhaça, ou da biomassa da cana, como o bagaço. Por si só, não utilizar fontes não renováveis de energia durante o processo industrial já é um caminho para a sustentabilidade, com possibilidades de emissão de CBio – por se tratar da cadeia do etanol. Por outro lado, quando a indústria da cana consegue adicionar energia renovável ao sistema e otimizar seus próprios insumos e custos, os benefícios ao meio ambiente e o potencial produtivo se multiplicam.
Novas alternativas para baratear custos de produção de etanol de cana
Todas as estratégias aqui discutidas são muito relevantes no sentido da sustentabilidade da agroindústria canavieira, mas há uma questão de suma importância ainda a ser discutida: a falta de competitividade do etanol em relação à gasolina como um empecilho para acelerar a substituição de combustíveis fósseis por renováveis.
Quanto a esse tema, o que se tem de mais atual são iniciativas científicas e institucionais que visam aumentar a qualidade da cana, ou seja, a concentração de açúcar (ATR) e outras características da planta importantes para o processamento. A facilidade em extrair açúcar do material celulósico possibilita aumentar a produção de biocombustível, especialmente o etanol de segunda geração, além de baratear o processo.
As boas práticas aplicadas no campo já contribuem para proteger essa qualidade e o potencial industrial da cana. Todavia, a otimização do manejo ainda não chegou a sua melhor forma. É isso o que mostra estudos recentes da UEM (Universidade Estadual de Maringá), divulgados pela Agência Fapesp em abril de 2023.
Pesquisadores verificaram que o pré-tratamento do bagaço para condicionar e fermentar açúcares a fim de produzir etanol de segunda geração impacta em 30% o custo de produção. Diante disso, foram desenvolvidos compostos para serem aplicados ao longo da cadeia produtiva capazes de otimizar o aproveitamento da biomassa de cana de maneira mais barata, oportunizando aumentar a exploração dos resíduos industriais e a produção de etanol em até 40%.
A descoberta está relacionada ao desenvolvimento e à aplicação de compostos naturais na cana-de-açúcar durante o cultivo em campo. As substâncias melhoram a sacarificação das plantas, pois diminuem a rigidez da parede celular, facilitando o acesso à celulose. Isso aumenta a produção de açúcares e de carboidratos, melhorando o potencial industrial para fabricação de biocombustíveis e outros subprodutos da cana.
Etanol a partir da cana-de-açúcar: relação entre o potencial produtivo e a questão ambiental
As alternativas existentes para a produção de etanol de cana estão relacionadas a soluções sustentáveis para o setor energético, um tema de abrangência mundial. A eficiência do uso dos recursos naturais, as técnicas de aproveitamento de resíduos e as tecnologias para ampliar a capacidade produtiva da agroindústria canavieira são métodos efetivos para alcançar a transição energética e diminuir as emissões de GEE.
De acordo com o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o Brasil é o segundo maior produtor de etanol do mundo, o que contribui muito para sua classificação como país com baixa intensidade de carbono na atividade econômica, como informa o gráfico a seguir.
Fonte: BEN, 2022 (MME – Ministério de Minas e Energia).
Diante da importância que a gasolina ainda tem no mercado e de possíveis limitações no desempenho das lavouras, a estratégia para não sofrer retrocessos no que diz respeito à redução de emissões de GEE e à descarbonização do setor canavieiro é aumentar a produção de etanol anidro, para ser misturado à gasolina. A medida foi adotada com o objetivo de inserir na rede uma quantidade de biocombustível suficiente para o atingimento das metas.
Felizmente, as expectativas são elevadas para a safra de cana-de-açúcar 2023/24. Segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), deve haver um aumento de produção de 4,4% em comparação à safra anterior, que se encerrou em março, totalizando 637,1 milhões de toneladas de cana-de-açúcar.
No entanto, os valores de ATR seguem em baixa, o que pode ser um fator preocupante para as usinas. A diminuição da quantidade e da qualidade da cana-de-açúcar diminui o volume do etanol no mercado, que, por sua vez, faz retroceder também a geração de energia renovável.
Isso é consequência da redução da quantidade de resíduos para serem aproveitados e da queda da viabilidade econômica para a aplicação desses processos de produção mais sofisticados. Ainda de acordo com o BEN 2022, o uso do bagaço de cana foi reduzido em 1,2 milhão de toneladas (-8,3%) entre 2020 e 2021, por conta da baixa nas lavouras e na produção de etanol.
Com isso, conclui-se que melhorar o processamento industrial da cana e diminuir os custos de produção de biocombustíveis, especialmente do etanol de segunda geração, é essencial no alinhamento entre metas ambientais e crescimento econômico, uma prática que começa no campo, por meio de medidas para melhorar o teor de sacarose das plantas.
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