A cana-de-açúcar é uma das culturas mais emblemáticas do agronegócio brasileiro, desempenhando um papel crucial na economia e na sustentabilidade energética do país. Com raízes históricas profundas e uma presença marcante no cenário agrícola mundial, a produção de cana no Brasil abrange desde pequenas propriedades rurais até grandes conglomerados industriais. 

Esse setor não apenas atende à demanda interna por açúcar e etanol, mas também se destaca entre os líderes globais nas exportações desses produtos. Entender a trajetória, os desafios e as práticas de manejo dessa cultura é fundamental para compreender a sua relevância e o seu impacto no desenvolvimento socioeconômico do Brasil.

Breve histórico do cultivo de cana-de-açúcar no Brasil

A história do cultivo da cana-de-açúcar no Brasil remonta ao início da colonização portuguesa. A primeira lavoura foi estabelecida em 1533, na Capitania de São Vicente, onde as condições climáticas favoráveis, aliadas ao solo fértil, proporcionaram o rápido desenvolvimento da cultura. 

Durante o período colonial, o açúcar produzido no Brasil era um dos principais itens de exportação para a Europa, fomentando a economia e financiando a expansão territorial.

Com a independência do Brasil em 1822 e, posteriormente, com a abolição da escravatura em 1888, a produção de cana-de-açúcar passou por diversas transformações, como a introdução de novas tecnologias e práticas de manejo, que contribuíram para o aumento da produtividade e a expansão da área cultivada.

Cenário atual: usos e destinos da produção de cana-de-açúcar

Nos dias de hoje, a cana-de-açúcar no Brasil tem dois principais destinos: a produção de açúcar e a produção de etanol. O açúcar, além de atender ao mercado interno, é amplamente exportado para diversos países, como a China e a Indonésia. 

O etanol, por sua vez, é utilizado principalmente como biocombustível, sendo uma importante alternativa sustentável à gasolina. O Brasil é pioneiro na produção e no uso de etanol combustível, o que contribui significativamente para a redução das emissões de gases de efeito estufa pelo país.

Além desses usos tradicionais, a cana-de-açúcar tem se mostrado uma cultura versátil, sendo utilizada também na produção de energia elétrica, por meio da queima do bagaço, e na fabricação de outros produtos, como plásticos biodegradáveis, papel e até mesmo cosméticos.

Importância econômica da cana-de-açúcar para o Brasil

A cana-de-açúcar desempenha um papel fundamental na economia brasileira. Na safra 2023/24, a produção nacional superou 710 milhões de toneladas, gerando bilhões de reais em receitas, tanto no mercado interno quanto nas exportações. O setor sucroenergético é responsável por uma significativa parcela do PIB agrícola do país e gera milhões de empregos diretos e indiretos, especialmente nas regiões produtoras.

O Brasil é o maior exportador mundial de açúcar, com uma forte participação no mercado global. Além disso, o país também está entre os maiores exportadores de etanol, sendo visto como uma das referências mundiais em biocombustíveis. 

Esse desempenho nas exportações contribui para o equilíbrio da balança comercial brasileira e para a entrada de divisas estrangeiras, fortalecendo a economia nacional. No entanto, essa forte cadeia produtiva está concentrada em algumas regiões específicas do país.

Atualmente, a cana-de-açúcar é cultivada em praticamente todas as regiões do país, com destaque para o Centro-Sul, onde se concentra a maior parte da produção nacional. Esse amplo cultivo em terras brasileiras é resultado, entre outros fatores, da diversidade de usos dessa cultura. 

Principais regiões produtoras de cana-de-açúcar no Brasil

A produção de cana-de-açúcar no Brasil está distribuída em todo o país, mas se concentra principalmente na região Centro-Sul. O Estado de São Paulo é o maior produtor, responsável pela maioria da produção nacional. Outras regiões importantes incluem Minas Gerais, Goiás, Paraná e Mato Grosso do Sul.

Cada uma dessas regiões possui características específicas que influenciam a produtividade da cana, como tipo de solo, regime de chuvas e tecnologia empregada. Todas essas condições refletem também na presença de pragas, doenças e plantas daninhas que podem comprometer a produção do canavial.

Principais pragas e doenças que atingem a cana-de-açúcar

A produção de cana-de-açúcar enfrenta vários desafios fitossanitários, com destaque para pragas e doenças que podem impactar significativamente a produtividade e a qualidade da cultura. 

Entre as principais pragas, destacam-se:

  • Cigarrinha-das-raízes (Mahanarva fimbriolata): é uma das pragas mais relevantes da cana-de-açúcar, especialmente no Estado de São Paulo e na região Nordeste. Esse inseto, que passa por estágios de ovo, ninfa e adulto, tem seu desenvolvimento favorecido pela umidade no solo. 

Com o início das chuvas, os ovos em diapausa eclodem, e as ninfas começam a se alimentar das raízes da cana. Quando adultas, as cigarrinhas se alimentam da seiva nas folhas e nos colmos, injetando toxinas que reduzem a fotossíntese e a produtividade da planta.

  • Broca-da-cana (Diatraea saccharalis): ataca a cana-de-açúcar ao longo de todo o ciclo da planta, causando danos diretos ao perfurar o colmo e formar galerias que prejudicam o fluxo de seiva, reduzem o peso e a produtividade e enfraquecem a planta, tornando-a suscetível à quebra pelo vento. 

Além disso, o ataque favorece a invasão de microrganismos, como fungos que invertem a sacarose e comprometem a qualidade do produto final. O inseto adulto é uma mariposa de coloração amarelo-palha, cuja fêmea deposita ovos nas folhas. As larvas emergentes perfuram o colmo, abrindo galerias que enfraquecem ainda mais a planta.

  • Bicudo-da-cana-de-açúcar (Sphenophorus levis): comumente chamado pelo seu nome científico, o Sphenophorus é uma praga que se adapta facilmente às condições climáticas das regiões produtoras de cana e pode causar danos significativos à cultura. 

Ao perfurar galerias nos colmos e rizomas, o bicudo danifica os tecidos internos da planta, podendo causar irregularidade nas brotações e até a morte do vegetal.

Mesmo sem destruir completamente a planta, o inseto compromete seu desenvolvimento, reduzindo o número de cortes e forçando o produtor a reformar o canavial mais cedo, o que aumenta os custos de produção e reduz a rentabilidade. Entre as doenças que mais ameaçam a cana, podemos citar: 

  • Ferrugem alaranjada da cana: causada pelo fungo Puccinia kuehnii e relatada no Brasil pela primeira vez em 2009, essa doença pode reduzir significativamente a produtividade e a qualidade da cana-de-açúcar ao comprometer a fotossíntese. 

Disseminada por vento, água e ferramentas, a doença se desenvolve mais facilmente em temperaturas entre 15 e 25 °C e umidade relativa acima de 90%. Os sintomas incluem pontos alaranjados e castanhos nas folhas, que podem evoluir para a coalescência das pústulas e necrose foliar.

  • Ferrugem marrom da cana-de-açúcar: ocasionada pelo fungo Puccinia melanocephala e presente em todas as regiões produtoras de cana-de-açúcar no Brasil desde o final dos anos 80, essa doença se espalha principalmente pelo vento, além de água e ferramentas contaminadas. 

Os primeiros sinais são pequenos pontos cloróticos nas folhas, que evoluem para manchas amareladas e, posteriormente, pústulas que prejudicam a fotossíntese. Com o agravamento, as pústulas se agrupam, resultando em folhas queimadas e sem brilho e em colmos afinados com crescimento reduzido, comprometendo a saúde da planta.

Principais plantas daninhas da cana-de-açúcar

As plantas daninhas são outro grande desafio no cultivo de cana-de-açúcar, competindo por recursos essenciais como água, luz e nutrientes, e, em muitos casos, abrigando pragas e doenças. A seguir, listamos as principais espécies de plantas daninhas que afetam a cultura: 

  • Mucuna (Mucuna spp.): pertencente à família Fabaceae, essa planta é uma trepadeira vigorosa, com taxa de crescimento acelerada, que pode rapidamente se enrolar nas plantas de cana-de-açúcar e sufocar as plantas jovens. 

Sua presença pode reduzir o crescimento da cana, atrasando o desenvolvimento das plantas e impactando negativamente a produtividade.

  • Mamona (Ricinus communis): é uma planta arbustiva que pode alcançar vários metros de altura e é conhecida por sua toxicidade, principalmente pela toxina ricina presente nas sementes. 

Possui folhas largas e palmadas, um sistema radicular robusto e profundo e sua alta competição com a cana-de-açúcar pode afetar a qualidade da matéria-prima, tanto na produção de açúcar quanto de etanol. 

  • Corda-de-viola (Ipomoea spp.): existem diversas espécies desse gênero, sendo plantas trepadeiras que se enrolam ao redor das plantas de cana, causando danos mecânicos e dificultando a colheita. 

A corda-de-viola é problemática durante todo o ciclo de cultivo, mas seus efeitos podem ser mais acentuados no início, quando a cana ainda está crescendo e as plantas daninhas podem competir mais agressivamente por luz e espaço, e na fase de colheita, atrapalhando a operação dos maquinários.

  • Capim-colchão (Digitaria spp.): essa gramínea é uma das plantas daninhas mais comuns em áreas de cultivo de cana. Ela cresce de forma densa e compete diretamente com a cana por água e nutrientes. 

Sua rápida taxa de crescimento pode competir facilmente com o crescimento da cana e reduzir significativamente a produtividade da lavoura.

A presença dessas pragas, doenças e plantas daninhas nas áreas do canavial exige do produtor um olhar atento para que sejam controladas de forma eficiente e não comprometam a produtividade e a rentabilidade do cultivo. A melhor estratégia, nesses casos, é fazer um bom uso dos manejos integrados.

Manejo Integrado de Pragas, Doenças e Plantas Daninhas

Diante dos desafios impostos por pragas, doenças e plantas daninhas, os produtores de cana-de-açúcar têm adotado estratégias de manejo integrado para garantir a sustentabilidade e a produtividade da cultura.

Nessa estratégia, se faz o uso combinado de diversos métodos, entre eles os controles biológico, cultural, químico e mecânico, a depender de qual situação, praga, doença ou daninha se pretende controlar. No manejo integrado, sempre se prioriza manter as populações abaixo do nível de dano econômico.

A seguir, mostraremos alguns exemplos desses métodos de controle:

  • Controle biológico: consiste no uso de inimigos naturais das pragas, como parasitoides, predadores e patógenos, para reduzir as populações de pragas, que tem demonstrado um controle bastante satisfatório.
  • Controle cultural: envolve práticas agrícolas que dificultam o desenvolvimento de pragas e doenças, como a rotação de culturas, a escolha de variedades mais tolerantes, o manejo adequado do solo e da irrigação e a época mais adequada de plantio.
  • Controle químico: é uma ferramenta muito importante no manejo integrado. O uso de defensivos químicos é realizado de forma criteriosa, priorizando produtos seletivos, realizando a rotação de moléculas e respeitando as recomendações técnicas de doses, períodos e intervalos de aplicação recomendados pelo fabricante. No caso de doenças, o controle químico preventivo deve sempre ser priorizado.
  • Controle mecânico: embora menos utilizado, pode ser importante em alguns casos específicos, principalmente para o controle de plantas daninhas. Esse método inclui a utilização de equipamentos para a remoção física das daninhas, como a capina, por exemplo, para retirar algumas plantas que outros métodos de controle não sejam tão eficientes, a depender do momento de intervenção.

Todos esses diferentes métodos de controle devem ser realizados visando manter o ambiente equilibrado e alcançar uma produção sustentável. Para isso, é imprescindível, que antes de qualquer decisão, seja realizado o monitoramento de pragas, doenças ou plantas daninhas. O monitoramento contínuo permite que sejam feitas as melhores escolhas, de forma a controlar eficientemente e evitar maiores problemas futuramente. 

Dessa forma, o manejo integrado é uma ferramenta indispensável para que a cadeia produtiva da cana-de-açúcar se mantenha forte e competitiva para superar os desafios técnicos e econômicos que possam surgir.  

Desafios e perspectivas para o futuro da produção de cana-de-açúcar no Brasil

O setor sucroenergético brasileiro enfrenta desafios que exigem constante inovação e adaptação. Entre eles, destacam-se as mudanças climáticas, que afetam a regularidade das chuvas e a temperatura nas regiões produtoras, impactando diretamente a produtividade das lavouras. 

Além disso, a crescente demanda por biocombustíveis e a competição com outras culturas agrícolas pressionam os produtores a buscarem maior eficiência e sustentabilidade em seus processos.

Nos últimos anos, a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias têm desempenhado um papel crucial na superação desses desafios. O melhoramento genético da cana-de-açúcar, por exemplo, tem possibilitado o desenvolvimento de variedades mais tolerantes a pragas, doenças e condições climáticas adversas, ao mesmo tempo que tenta preservar seu potencial produtivo.

Além disso, a adoção de tecnologias de agricultura de precisão, como drones e sensores, têm permitido um monitoramento mais eficiente das lavouras, otimizando o uso de insumos e aumentando a produtividade.

Considerações finais

A produção de cana-de-açúcar no Brasil é uma atividade agrícola de extrema relevância, tanto do ponto de vista econômico quanto social. Com uma longa história que remonta aos tempos coloniais, a cultura continua a desempenhar um papel central na economia brasileira, gerando empregos, receitas e contribuindo para a segurança energética do país.

Os desafios fitossanitários, como pragas, doenças e plantas daninhas, bem como as mudanças climáticas, exigem que os produtores adotem práticas de manejo cada vez mais integradas e sustentáveis, garantindo a viabilidade da produção a longo prazo. 

Nesse cenário, a inovação tecnológica e a pesquisa continuam a ser fundamentais para manter o Brasil na vanguarda da produção de cana-de-açúcar, garantindo sua competitividade no mercado global e sua contribuição para o desenvolvimento sustentável.

A cana-de-açúcar, mais do que uma simples cultura, é um símbolo do dinamismo e da capacidade de adaptação do setor agrícola brasileiro, refletindo a importância do agronegócio para o país e sua população.